quinta-feira, 4 de abril de 2013

Festivais


Festival de Curitiba 2013

Com movimentos lentos e cuidadosos, a 22ª edição do Festival de Curitiba se mexeu. Pouco e com algumas reticências, a curadoria da mostra procurou se afastar da série de espetáculos do Rio e de São Paulo dos anos anteriores e levar a Curitiba montagens que trazem alguma proposta para além do encenador do momento, do ator em evidência na televisão e do gênero da vez. Não que essas linhas curatoriais tenham sido abandonadas, já que a maioria dos  espetáculos da programação vem do eixo, e seria muito difícil escapar desse quadro da produção teatral brasileira. Os nomes sonantes do vídeo continuam na vitrine curitibana, ao mesmo tempo em que alguns gêneros se mantenham como balizadores de uma cena mais identificada com o entretenimento. Mas são detalhes para festival que incluiu este ano propostas instigantes, até patrocinou algumas delas, e que surpreendeu na mostra paralela Fringe. 

Formalismo artesanal que se cristaliza nas referências 
Haikai – Em Curitiba, Roberto Alvim, diretor carioca radicado em São Paulo, procura, ao ritmo da estrutura da escrita poética japonesa, transferir à cena o ruído da palavra que se compõe pelo formalismo. É de dentro do formato que Alvim estabelece o arco da teatralidade, do desenho do traço que economiza a expressão e do pensamento sintético que elimina a busca do sentido. Três atores, aparentemente desprovidos de personagens, em falas alternadas cujas vozes perseguem a tensão, mais do que a atribuição de qualquer valor narrativo, provocam em 25 minutos um estranhamento na recepção da platéia. Os códigos de apreensão, à primeira vista, parecem subvertidos. Na falta de ordenação de conhecimento ao que foi proposto, a linguagem se transforma em sonoridade (há uma cena em que se fala língua intrigante, que aparentemente, soa como grego), o movimento em estática e a projeção em incomunicabilidade. O arcabouço de Haikai, no entanto, cristaliza mais do que avança e retém mais do que pulsa. Ao se referir ao aforismo japonês, o diretor não reproduz a essência da forma, descaracterizando o textual sem integrá-lo ao cênico. Por outro lado, o espectador se defronta com a construção em escala artesanal de imagens familiares a encenadores contemporâneos. Lá estão os neons frios e vermelhos, de Bob Wilson, e a iluminação a serviço de peças curtas de Beckett, de Gerald Thomas. Resta a palavra de Roberto Alvim reproduzida no programa como carta de princípios: “Não se trata de entendimento. Trata-se de produção e experimentação de intensidades. É preciso furar a dinâmica neurótico-histérica do sujeito/ dos afetos.. Inconsciente e pulsão. Chega de verdade.”          
 
Contundência etnográfica de instalação performática
Recusa – A Cia. Balagan de São Paulo, com direção de Maria Thaís e dramaturgia de Luiz Alberto de Abreu, fundamenta a cena através de mitos da cultura indígena, conotados por notícias recentes. Saga de dupla de índios, de padre e fazendeiro que são de devorados e devoram, de Macunaíma e seu irmão, ritualizada em canto, dança e línguas ancestrais em contrapontos de histórias, corpos e vozes. Quase registro etnográfico, a dramaturgia confunde planos narrativos, oscilando entre a representação de etnias e suas linguagens derivativas, e fatos, ideologia e crítica. Recusa é construído dessas ressonâncias, nas quais estão presentes algum orientalismo, vaga memória de outras encenadores e intérpretes e volume de pesquisa que se reflete no rigor das atuações. Os duplos que se transmutam em homens, animais e natureza e se interpenetram em símbolos impulsionadores, desaguam em  fluxo narrativo que captura sons e movimentos compondo, ao lado da cenografia de Márcio Medina e dos atores  Antônio Salvador e Eduardo Okamoto, esta instalação performática fracionadamente contundente.        
Shakespeare assaltado pelas sombras de clowns
Hamlet – Do Rio Grande do Norte, o Clowns de Shakespeare apresentou a tragédia de Shakespeare com direção do paulista Marcio Aurélio, perdida entre os extremos da nomenclatura que define o grupo. Ao contrário da importação do espetáculo anterior, quando levaram a Natal o diretor Gabriel Villela para encenar Ricardo III, em bem sucedida montagem, desta vez, Aurélio, os Clowns e o trágico não se entenderam. E não apenas pela inadequação de estilos, mas de expectativas. Marcio Aurélio enquadrou-a na perspectiva de desmontar e redimensionar as máscaras da representação, enquanto o grupo tenta se equilibrar no malabarismo popular de seu uso. A tradução, verbal e cênica, se desencontra na encruzilhada em que a tendência a facilitar, criticamente, o que não se mostra possível de realizar, torna híbrido e expõe as fraturas do que se pretendia driblar. A adaptação do texto assinada pelo diretor, que entre outras intervenções, criou um prólogo que, supostamente, daria o tom da encenação, mas que se restringe a condensar a trama, fragmentando o núcleo narrativo e margeando a superficialidade. Nada faz supor que tenha existido alguma idéia em torno da qual Hamlet não se mostrasse alguém tão desprovido de quaisquer dos sentimentos que o impulsiona na direção de saber quem é. As suas investidas para revelar as vilanias da vida se camuflam em movimentos e gestos vazios e na lembrança de que, ainda que de Shakespeare, os atores se denominam clowns.
 
Ironia e niilismo no teatro do cinema
Fringe – Dos estados do Brasil com maior representatividade teatral, mais de 300 espetáculos se oferecem durante os dez dias do festival num balcão de exposição que está distante de sensibilizar plateias. É comum assistir a espetáculos com cinco pessoas, em melancólica evidência de desinteresse. Nos 16 anos do Fringe esse quadro pouco mudou, mas os organizadores procuram ordenar a volumosa oferta com mostras temáticas. Este ano, estão disponíveis, entre outras, as mostras baiana e mineira, o coletivo de pequenos conteúdos e a de teatro para ver de perto. Na de novos repertórios se destacou Em Breve, nos Cinemas, produção da companhia curitibana Teatro de Breque, que encena fragmentos da vida e obra do autor americano David Foster Wallace, que se suicidou em 2008. A montagem interpõem narrativas, reais e ficcionais, linguagens, cinematográfica e teatral, e conhecimentos, filosóficos e matemáticos, com ironia e algum niilismo. Com direção de Nina Rosa Sá e cenário de Fernando Marés, Em Breve, nos Cinemas é a maior surpresa do Fringe.             

                                                  macksenr@gmail.com