Num festival tão marcado pela geografia teatral carioca, a presença de Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, na mostra curitibana pelo grupo Mosaico de Cuiabá é, no mínimo, inusitada. Não apenas por sua procedência, mas pela participação de exemplar de coletivo distante dos centros mais visíveis de produção em mostra que se estabeleceu como vitrine do eixo teatral dominante. A versão do diretor Sandro Lucose para esta tragédia rodriguiana procura imprimir leitura cênica, senão original, pelo menos como interpenetração de linguagens. E se esta é a sua maior qualidade, é também a fonte de seus maiores problemas. O texto de Nelson Rodrigues oferece dificuldades a qualquer diretor, não só por seu caráter arquetípico como pelas “armadilhas” dos diálogos que arranham o melodrama. Lucose encontrou uma via interessante para driblar essas dificuldades e fixar as fontes trágicas da narrativa. A montagem é ritualizada através de cerimoniais religiosos que evidenciam as pulsões interiores interditas por códigos sociais, e por coreografia que demonstra essa mesma interioridade por meio do conflito pelo gesto e pelos movimentos da capoeira. São opções que emprestam dinâmica e “ação” à cena, intensificando com ritmo ágil sentimentos em estado bruto. Mas ainda que se criem imagens evocativamente místicas e tensionadas coreograficamente, o abuso desses recursos diminui o seu impacto pela forma como se sublinha o que se pretenderia evocar. A versão cuiabana de Anjo Negro transmite a tentativa de teatralizar uma coreografia, o que se evidencia ao final, quando canhestro balé compromete os acertos da maior parte do que foi visto antes. O elenco, que se distribui entre os excessos corporais e a tentativa de encontrar linha mais definida, tem em Joana Seibel uma altiva figura que empresta colorido vocal e autoridade interpretativa à Virgínia.