Pensamento
cênico e pesquisa autoral
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Paralelismo na imagem de teatro e cinema |
Foi um ano de coerência estética e evolução
técnica de trabalhos para os que se demonstraram melhores no prosseguimento de pesquisa
autoral e reavaliação de métodos. Os poucos destaques surgiram de investidas em
encenações que refletiram tentativas de traduzir pensamento cênico e dramática consequente,
confirmando assinaturas e apontado perspectivas. Christiane Jatahy desenvolveu
em E Se Elas Fossem Para Moscou?, com
maior segurança e sofisticação de meios, a sua inquieta pesquisa na construção
de dramaturgia que dialoga com o teatro e o cinema. O texto de Tchecov é submetido a estrutura cineteatral, em que a simultaneidade entre o teatro editado como
filme e o tempo paralelo de realização e exibição, ainda que autônomos, se integram
com recepções independentes. Gustavo Gasparani que circula com intimidade entre
as criações da Cia. dos Atores e os musicais, demonstrou como se apropriar de
códigos expressivos tão extremados, tanto como ator, quanto como diretor. Em Ricardo III, o intérprete, atravessa com
recursos mínimos e intensa comunicabilidade a complexidade da narrativa e do
contexto histórico da tragédia de Shakespeare. Como diretor e roteirista de Samba Futebol Clube coordena equipe de
apuro técnico, ginga afiada e humor inteligente para transformar os maiores
clichês da nacionalidade em um musical de genuíno sotaque brasileiro. Irmãos de Sangue, a décima montagem da
Cia. Dos à Deux em 16 anos de atividade entre a França e o Brasil, provou, uma
vez mais, o crescente depuramento do silêncio do movimento para alcançar sua
dimensão poética, e do desenho gestual e da ação física para construir imagens
da memória.
Numa temporada em que o realismo, dubiedades existenciais
e os europeus ocuparam grande parte do cenário dramatúrgico, a pedofilia surgiu
como tema explorado em visões que se aproximam pelo tratamento cuidadoso, mas
nem sempre bem sucedido. Blackbird, Adorável Garoto e Funeral se equilibram na pesada balança do entrecho psicológico. O
irlandês Samuel Beckett marcou presença em Tríptico,
encenação de Roberto Alvim, que percorre, através de sombras sutis, as
reverberações de ruídos dissonantes do autor irlandês. Duas Vezes Mattei lançou com direção de Gilberto Gawronski, dois
textos curtos do romeno Matéi Visniec, que manipula a linguagem formal como
veículo corrosivo da palavra. O inglês Mike Bartlett com Contrações teve na direção de Grace Pasô, no cenário de André
Cortez e na interpretação de Yara de Novaes, tradução impecável. O dinamarquês
Thomas Vinterberg, que escreveu O Funeral,
encontrou a mesma tensão do seu texto no
palco com a direção de Bruce Gomlevsky. Os autores brasileiros ficaram mais
retraídos, com exceção para a dupla presença de Renata Mizhrai (Silêncio! e Galápagos).
Time de sucesso na torcida por um musical original |
Os musicais, em especial os biográficos,
prosseguiram no seu circuito comercial de gordos patrocínios e repetição de
fórmulas. Em pesquisas rotineiras e reverentes homenagens, algumas um tanto
mais elaboradas cenicamente, sucederam-se nomes tão diversos e separados pelo
tempo e repertório: Cássia Eller, Chico Buarque, Chacrinha, Agnaldo Rayol, Cyro
Monteiro. Os musicais que fugiram do convencional tiveram melhores resultados,
como a adaptação teatral de As Bodas de
Fígaro e a experimentação, ainda que frustrada, de Edypop. Mas pela integração de pesquisa, roteirização e montagem, Samba Futebol Clube balizou com alegria
e rigor outras sentidos para essa escalada febril do gênero em nossos palcos.
A nacionalidade reconfigurada pela literatura |
Os muitos festivais espalhados pelo país se
ressentiram das verbas mais curtas e de um certo esgotamento e acomodação nas
suas grades de espetáculos. A novidade ficou como a Mostra Internacional de
Teatro de São Paulo (MIT SP) que já na primeira edição revelou ambição,
anunciada por seleção ousada, como a de Gólgota
Picnic, de Rodrigo Garcia, na sua irônica crueza e ambientação sensorial de
símbolos cristãos e consumistas. Ou da instalação performática de Angélica
Liddell de Eu Não Sou Bonita e da
versão do lituano Oskaras Korunovas para Hamlet.
O festival Mirada, do Sesc-Santos, com curadoria criteriosa, apresentou Puzzle (a), a primeira parte do
quebra-cabeça lítero-teatral do diretor Felipe Hirsch, que provocou estrondo na
Feira do Livro de Frankfurt em 2013 com seus dardos verbais e exposição
contundente e contestatória da vida brasileira reconfigurada pela literatura. O
festival carioca Tempo manteve as performances e os processos como eixo
curatorial, mas a Chelfisch Theater Company de Tóquio com encenação do diretor
Toshiki Okada provocou impacto com o seu hibridismo cênico, que mistura texto e
movimentos corporais radicalmente desconectados. A vinda de Bob Wilson ao Rio,
depois de décadas, com The Old Woman,
sintonizou a plateia carioca ao esteticismo de som e luz do encenador americano.