Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (21/12/2014)
E mais uma vez, repete-se o que já foi tanto visto,
ainda que o musical Agnaldo Rayol – A Alma
do Brasil mostre pequena variação dos demais. Biográfico como muitos outros, se
diferencia pelo fato de não ter biografia, já que ao personagem não corresponde
qualquer história que o identifique para além do repertório que canta e dos
programas de rádio, televisão e filmes dos quais participou na carreira. O
roteiro de Fátima Valença segue a cronologia das apresentações, da infância na
Rádio Nacional a shows de televisões e cinema paulistas, ilustrada por mais de
duas dezenas de canções, que se estendem da Jovem Guarda a versões de sucessos
internacionais. Em sequência de letras românticas e interpretações de tenor
arrebatado, revisa a agenda musical de Agnaldo Rayol, com pequenas introduções a
cada quadro que apoiam, timidamente, os números. Há uma monocromia narrativa,
em que a reverência cristalizada e a fotografia de pose estática, fixadas como
fenômeno de personalidade vocal de traço único, parece ser o se pode esperar da
longeva participação do intérprete na vida artística nacional. Roberto Bomtempo
revestiu a direção do aspecto de show teatralizado, conduzido como percurso alinhado
de canções, entrecortado por figuras ilustrativas e circunstanciais, simples escadas para dar seguimento à exibição
do homenageado. Elimina-se qualquer possibilidade de desenhar personagens, que
o texto sequer esboça, em favor de caricaturas como as de Ângela Maria e Lana
Bethencourt, Erasmo Carlos e Renato Corte Real, coadjuvantes do tributo a voz e
imagem uniformemente reproduzidas. O cenário de Flávio Graff envolve o palco
com rendilhado, criando atmosfera de romantismo popular como as canções que se
ouvem. O figurino, também assinado por Graff, complementa nos ternos bem ao
estilo dos usados por Rayol e nos brilhos, que servem à exuberância do vestido
de Hebe Camargo, o visual levemente crítico. A direção musical de Marcelo Alonso
Neves imprime qualidade ao repertório eclético do cantor, não só pelos arranjos
bem cuidados, como pelo trio – Thaís Ferreira (violoncelo), Affonso Neto
(bateria) e Christina Bhering (regência e piano) – que valoriza, sem trair, variadas
sonoridades. O visagismo de Beto Caramanhos contribui, decisivamente, para a
composição de alguns dos tipos, como os de Hebe e Ângela Maria, além de
acentuar a semelhança física do ator que interpreta Agnaldo Rayol. Fabrício
Negri marca presença como o apresentador Renato Corte Real, e Mona Vilardo como
a Miss Brasil Therezinha Morango. Stela Maria Rodrigues imita com bom humor
falas e trejeitos de Hebe Camargo. Marcelo Nogueira explora as semelhanças de tipo físico e timbre vocal
como Agnaldo Rayol, tornando ainda mais verossímil o caráter fotográfico que
domina a montagem.