segunda-feira, 5 de novembro de 2012

39ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Esta Criança
Estilhaço de  quadros com incisões profundas
São dez cenas que tocam no relacionamento entre pais e filhos. São dez frestas abertas sobre zonas de sombra dos sentimentos. São dez relatos em torno da exposição de momentos de tensão. São dez interioridades que se desvendam em rastilhos. São dez estilhaços de um quadro rasgado por incisões profundas. É deste material que são compostos os textos de Joël Pommerat em Esta Criança, em cartaz no Teatro I do CCBB, de onde emergem situações que se apresentam como se pulsassem no instante de sua eclosão. Não há qualquer resquício de naturalismo em monólogos interiores exibidos como narrativas de vidas como elas são. Nada de realismo psicológico, muito menos de dramatismo emocional. A virulência do que se sente é demonstrada, não explicada por razões ou atenuadas por justificativas. A intensidade tem a secura do registro e se evidencia pelos movimentos internos que fazem com que reações sejam quase poses fotográficas de nitidez cruel. Por mais explícitas que sugiram as cenas, o contorno é o da entrelinha, do que fica pelo caminho dos diálogos. O diretor Marcio Abreu capturou esse entremeio, aquilo que está entre o ruído e o silêncio, o desabafo e a impossibilidade, o medo e a efusão, a proximidade e o afastamento, a repulsa e o amor. A montagem é ascética, sem qualquer supérfluo, seca mas banhada de jorros de afetos, insinuados por fendas de emoções. Há um rigor formal que sustenta a sutileza de sentimentos que somente que se deixam entrever. Abreu trabalha neste fio de tessitura invisível, na representação dessa área existencial em fricção. Nas excelentes cenografia de Fernando Marés e iluminação de Nadja Naira se delimita o teatro dos personagens. O cenário que corta o palco longitudinalmente, avançando na plateia e deixando à mostra parte das coxias, ganha dimensão distorcida à procura de desviar o eixo do olhar. Mais do que formalismo estético, tanto o cenário quanto a iluminação se integram à cena como unidade indissolúvel da linguagem do diretor. A montagem pulsa sobre esse rigor subterrâneo, que se deixa ver apenas no modo como se revela na coesão do elenco e no acabamento geral da cena. O quarteto de atores – Renata Sorrah, Giovana Soar, Ranieri Gonzalez e Edson Rocha – é a mais ampla projeção da qualidade e integridade criativa da encenação. Se Renata Sorrah tem interpretação definitiva na sua carreira, Giovana Soar, que também assina a ótima tradução, estabelece sutis contracenas. Se Edson Rocha parece se voltar para atuação mais realista numa primeira impressão, a desmente em seguida. E de Ranieri Gonzalez se pode medir a extensão de sua enorme capacidade de intérprete.

                                                    macksenr@gmail.com