quarta-feira, 31 de outubro de 2012

38ª Semana da Temporada de 2012


Mesmo gênero (o musical) em vários estilos

Crítica/ Alô, Dolly!
Tradição da Broadway vintage
Esse musical, baseado em peça de Thornton Wilder e estreado na Broadway em 1964, pode ser considerado um clássico. Com os ingredientes tradicionais, desde a trama ingênua para todos os públicos até a trilha musical com canções de agradável sonoridade, Alô, Dolly!  se encaixa na história dos musicais como um exemplar que utiliza, de maneira habilidosa, o caderno de encargos do gênero. Utilizando os preceitos básicos, Dolly percorreu o caminho do êxito - anos em cartaz em Nova Iorque com atrizes veteranas como protagonista, reprodução em montagens por dezenas de países, inclusive o Brasil, em 1966, com Bibi Ferreira - e a inevitável produção para o cinema. Ciclo completo, o musical com assinatura de Jerry Herman e coreografia de Gower Champion (coreógrafo dos musicais da Metro dos anos 50) é, periodicamente remontado em várias partes do mundo, deixando a impressão de que é visto hoje como revival ou vintage. A versão brasileira em cartaz no Oi Casa Grande, com direção geral de Miguel Falabella, não tem como escapar de tais rótulos, afinal o convencionalismo das canções, libreto e coreografia que já pesavam na época da estreia, agora se acentua quase como anacronismo. Miguel Falabella percebeu o desgaste e procurou arejar, a começar por cortar com vontade o entrecho, enfatizar a comunicabilidade pelo humor e aproveitar a atuação mais espontânea do ator brasileiro. O resultado é que o rearranjo funciona, permitindo que a tradição seja temperada com ingredientes que acrescentam algum sabor a esse show passadista. Com rigor técnico, qualidade na direção musical e vocal de Carlos Bauzys, na iluminação de Paulo Cesar Medeiros e desenho de som de Gabriel D’Angelo, Alô, Dolly!  via Brasil mantém o nível profissional que os musicais têm apresentado por nossos palcos nos últimos anos. Ainda que o cenário, pesado, sombrio e de discutível gosto, de Renato Theobaldo e Roberto Rolnik, e o figurino, irregular e sem unidade, de Fause Haten possam prejudicar parcialmente o visual, é o elenco a verdadeira alma do espetáculo. Dos cinco bailarinos aos 13 participantes do ensemble, como  a produção denomina o coro que atua em pequenos papéis, a harmonia do conjunto serve às exigências de interpretação, canto e dança. Os atores – Frederico Reuter, Alessandra Verney, Ubiracy Paraná do Brasil, Ester Elias, Branda Nadler, Ricardo Pêra, Patrícia Bueno e Thiago Machado – têm intervenções que apoiam a eficiente encenação. Miguel Falabella passeia no personagem, mostrando um à vontade comunicativo. Marília Pêra interpreta Dolly, circulando pelas canções brejeiras e as situações ingênuas como uma comediante tarimbada. Com piscadelas aos códigos de artistas populares, Marília Pêra flana com intimidade no palco.           


Crítica/ Gonzagão, A Lenda
Biografia no Nordeste festivo 
Musical biográfico como tantos outros que se sucederam por várias temporadas na década de 80, Gonzagão, A Lenda, em cartaz no Teatro Ginástico, reconstitui a vida do Rei do Baião, mantendo o formato de homenagem. O autor e diretor João Falcão não pretendeu fugir à essa fórmula tão exaustivamente utilizada. A linearidade da narrativa e a integração das composições na sequência dos acontecimentos vividos por Luis Gonzaga obedecem à regra escrita sem maiores ousadias. O que torna a montagem fluente e, em muitos momentos, envolvente, é o modo como a cultura nordestina se encaixa neste painel colorido, alegre e despretensioso. O cenário de Sergio Marimba é mais evocativo do que propriamente desenhado. O que ajuda a cenografia a ganhar mais vida são os adereços, assinados também por Marimba, que se mostram inventivos, como os acordeões cenográficos. O figurino de Kika Lopes, entre citações ao Nordeste e a imagística circense, se mostra bonito em conjunto, ainda que excessivo individualmente em alguns deles. A iluminação de Renato Machado contribui para colorir a cena. Com a afinada parte técnica, e a azeitada direção musical de Alexandre Elias (a sonoridade poderia ser menos volumosa), Falcão armou uma festa de feira, projetando atmosfera nordestina em formato de celebração. Constrói cenas rápidas, que mudam constantemente, repassando a biografia ao som do repertório de Gonzaga. Os melhores quadros são aqueles em que o diretor imprime intensa movimentação aos atores, formando agitada coreografia cênica. Essa concepção facilita a atuação, já que nem todo o elenco demonstra muita experiência. Alguns cantam bem, outros interpretam melhor, um se mostra visivelmente verde, mas todos em grupo se revelam satisfatórios. Laila Garin, além de qualidade como cantora conduz com segurança a sua participação como atriz, enquanto Marcelo Mimoso dá demonstração de domínio e destreza no uso dos vários registros de sua voz. Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Eduardo Rios, Fabio Enriquez, Paulo de Melo, Renato Luciano e Ricca de Barros completam o elenco desse agradável musical.        

Crítica/ A Revista do Ano – O Olimpo Carioca
Reinvenção do Rio atual
As origens de A Revista do Ano – O Olimpo Carioca, em cartaz no Teatro Clara Nunes, são históricas, inspiradas em duas vertentes do musical à brasileira: a revista de ano e o teatro de revista. O texto de Tania Brandão se nutre dessas influências para atualizá-las aos dias atuais, ao registro dos prazeres e mazelas da vida no Rio e à obra de Artur Azevedo. A autora, mais do que historiar um gênero, procurou reinventá-lo sem fugir de seus fundamentos, nutrindo-o das circunstâncias que o carioca enfrenta agora, acondicionando-as no formato original. Os deuses do Olimpo que descem ao Rio na esperança de fugir às vicissitudes econômicas por que passa a Grécia, percorrem os caminhos e desvios de uma cidade, aparentemente maravilhosa, e acabam integrados a seus costumes e mazelas. Como na estrutura do modelo, a revista conta as peripécias desses deuses caídos como  sátira, em cortinas (esquetes no proscênio), observações críticas e olhar amoroso para o estilo. Tania Brandão reproduz esse arcabouço, recorrendo ao humor crítico que se volta para o presente balanceado pelo passado. A montagem de Sergio Módena se aproxima do jogo de épocas armado pela autora. O espetáculo não pretende fixar, histórica ou nostalgicamente, as referências às revistas de ano, somente sintonizar a origem com certa malemolência malandra dos dias de hoje. Mesmo que a direção não tenha contido o tempo de duração do espetáculo, o que acrescenta alguma gordurinha a quadros um tanto estendidos, na maior parte O Olimpo Carioca adquire bom ritmo. O visual, assinado por Ronald Teixeira e Flavio Graff, é funcional na cenografia, ainda que inexpressiva, e atraente no figurino, que veste de bronze brilhante os deuses e de curiosas interpretações dos antigos figurinos do velho teatro de revista. A direção musical de Marco Pereira e os músicos mantêm bom nível de qualidade. Os 15 atores compõem elenco coeso, e cada um se destaca em alguma cena. Ana Velloso é uma divertidíssima Colombiana. Stela Maria Rodrigues, Marta Metzler, Ana Carbatti e Celso Andre estão impagáveis na cortina sobre casas de espetáculos do Rio. Vera Novello se revela comediante como Bueiro. Marcelo Capobianco faz rir como Índio. Édio Nunes incorpora o Futuro do Prefeito e Milton Filho veste o Dinheiro na Cueca. Rogério Freitas desempenha com desenvoltura o papel de cômico da tradição revisteira. Alcemar Vieira e Helga Nemecyk como a dupla de mestres de cerimônia estão soltos e seguros na função de conduzir com bom humor, leveza e malícia a queda dos deuses na geleia geral do cotidiano dos cariocas.

                                                          macksenr@gmail.com