Tempo
O Tempo Festival, que pelo terceiro ano ocupa o
espaço até então vazio de mostras de artes cênicas no Rio, prova que preenche
mais do que áreas abandonadas, configurando fronteiras expressivas que vão além
de limites teatrais. Nesta curta e iniciante trajetória, o Tempo persegue a
confluência e a multiplicidade, procura medir a temperatura criativa, detectar
perspectivas, apostar na inquietação, propor tendências, sem quaisquer
dogmatismos estéticos e ajustamentos impositivos à contemporaneidade. A
programação reflui por entre teatro, música, dança, artes plásticas, tecnologia
e arte urbana, em interseção de caminhos que conduzem a incompletudes, dúvidas,
experimentações, incertezas, desafios e diálogos. Nesta conversa entre
linguagens, o festival captura pulsações criativas, oferecendo ao espectador
possibilidades de partilhar ideias e vivenciar experimentações de espetáculos
que estão, invariavelmente, em busca de emprestar significações à arte. Nesta
edição, o Tempo, além da presença do Recorte da Cena Holandesa, abrigou as estreias
de espetáculos nacionais (Depois da Queda, Cine-Gaivota, Noites Brancas) e trouxe a espanhola Angelica Liddell com seu
perturbador Eu Não Sou Bonita e o
francês Vincent Macaigne com a antecipação, com elenco brasileiro, da montagem
de As Três Irmãs, de Tchecov (A Partir das Três Irmãs), que estreia em
2013 no Festival de Avignon.
Ficção: dança de códigos entre palco e platéia |
Recém estreado em São Paulo e integrante da
programação do Tempo, que prossegue em temporada no Oi Futuro do Flamengo até o
final do mês, Ficção, da Cia. Hiato,
a mesma que montou o elogiado O Jardim,
distende a relação entre o modo de viver (o real) e os meios de criar (a arte) para
tocar as proximidades da verdade e da mentira, do ator e personagem, da platéia e palco. O diretor Leonardo Moreira
ensaia demarcar fragmentos da vida dos atores do grupo traduzidos em
individualizados projetos cênicos. Em seis solos,
cada um deles depõe sobre algum momento de suas existências, emprestando invólucro
teatral à realidade do vivido, despistando
pela ficção dos truques cênicos a mecânica
do funcionamento do que é e do que
não é. Os atores falam de si, da relação com parentes, das dores nas relações
afetivas, confundindo o biográfico com o encenado, transformando em falso o que foi retirado do verdadeiro. Os relatos não são
documentos dramáticos ou depoimentos emotivos, mas pretexto para se estabelecer
ficções teatrais, formas de apropriação de linguagens que servem à montagem de um vácuo expressivo. Ficção preenche a distância proposta pelo hiato (não é à toa que a
companhia adotou esse nome) e pelas aspas (reinvenção das vivências), numa
intensa troca de códigos dos que estão no palco com aqueles que estão na
plateia.
Pjotr: música ambientada ao ar livre |
A integração entre música e teatro se realiza em A Partir de Agora Seu Nome é Pjotr, espetáculo
vindo da Holanda, através de ambientação ao ar livre, que na apresentação no
Rio aconteceu nos jardins do Parque Lage num agradável ensolarado fim de tarde. Seis mulheres, vestidas de uniformes de
trabalho, diante de máquinas de costura, repetem gestos na confecção de roupas
para soldados, trabalhadoras na retaguarda de alguma guerra em que lutam maridos
e filhos. Movimentos seriados de descarregar fardos e repetir ações continuamente
fazem destas operárias depositárias de resíduos de lutas, figuras secundárias
de acontecimento que lhes escapa pela grandeza com que atinge suas vidas. Com
poucas palavras e pedaços de drama, o
espetáculo por ter como cenário área aberta, com chão de terra e árvores como
envolvência, criam-se contrastes, não somente pelo espaço físico como também pela
economia de palavras, compassada gesticulação e penetrante música. As seis
atrizes-instrumentistas são excelentes musicistas, trazendo à cena
interpretações arrebatadoras de quarteto de cordas de Schubert, sonatas de Zoltan
Kodály e Eugene Ysaÿe, tornando a montagem belo recital de ótima música, no
qual o teatro se instala como um elemento cenográfico.
Alabama: pastelão à moda sulista |
Alabama Chrone é um espetáculo muito
peculiar, tanto por sua origem, quanto por sua concepção. Três atores-músicos
empreendem viagem cômico-sonora pelo Sul dos Estados Unidos. Cowboys
pós-modernos percorrem musicalmente, ao som de rock, blues e country, essa paragens
geográfica. Esses Três Patetas (The Three Stooges), simulacros do grupo cômico
do cinema americano, especializado em comédia pastelão e humor físico, já
entram em cena quebrando o cenário e se dividindo entre números musicais e cortinas humorísticas, em que recorrem ao
humor rasgado, capturando, aqui e ali, figuras vagamente solitárias e
desenraizada. O grupo se intitula de Os Sadistas, que é mais uma designação de
efeito do que conceituação para apoiar o que realizam em cena. Neste show
musical, a dramatização parece tão
somente pretexto para a exibição dos músicos, travestidos de bufões para ocupar
os intervalos entre as canções. A música não é tratada dramaturgicamente, como
parece querer fazer acreditar os intérpretes, afinal esses performers de poucos recursos, acabam por interferir na qualidade
de músicos do trio. A música é o que Alabama
Chrone tem de melhor.
macksenr@gmail.com