Crítica/
O Homem Travesseiro
Recomposição cruel de tirânicas tramas |
A construção precisa do irlandês Martin McDonagh
do texto em cena no Teatro Laura Alvim é determinada por costura dramatúrgica
em que situações, diálogos e personagens contracenam com tensão interna,
cirurgicamente traçada. O interrogatório a que é submetido escritor de
histórias perversas, através das quais se delineia a sua própria história,
revivida em sessões torturantes nas dependências prisionais de obscuro regime
ditatorial. Recompondo em embate com seus algozes ou com o irmão deficiente
mental, as crueldades dos pais na infância, o escritor desvenda, para além de autor
e vítima de suas criações literárias e de atos reais, crimes reveladores e
protagonismos. São vias múltiplas de um enredo de crueldade e dominação, de brutalidade
e morbidez, até ao ponto de convergência de tirânicas tramas individuais, de
ação dramática que fornece pistas desviantes. A sequência de descobertas e o
tensionamento crescente, que oferecem indícios que se desmentem ou se comprovam
como se fossem subtrama policialesca, o que demonstra a elasticidade do texto, denso
e envolvente. A encenação de Bruce Gomlevsky reproduz com acuidade o clima
intrigante e reflexivo de McDonagh, trançando as cenas com intensidade de seus
movimentos internos, em oscilação entre os conflitos, medidos pela força da
violência. O diretor demonstra em fina tradução cênica sintonia com a matéria
dramática. O cenário de Marcos Flaksman, apesar de traço excessivamente
convencional, atende às necessidades da montagem. A música de Borut Krzinski merece
registro. Tonico Pereira empresta larga extensão interpretativa ao oficial de
polícia. Miguel Thiré fica um tanto restrito à composição física. Ricardo Blat
encontra o tom para o irmão deficiente. Bruce Gomlevsky tem desempenho que
reflete a mesma e sensível compreensão do texto que traduz como diretor.
Crítica/
Sóbrios
Mostruário de desajustes familiares |
Esse texto de Adam Rapp, em cartaz no Espaço Tom
Jobim, se filia à tradição do realismo psicológico da dramaturgia americana. A
desestruturada família, que tem um adolescente, meio nerd, meio fronteiriço, como condutor de trama que envolve
competição violenta, fé vazia, drogas e tentativas de suicídio, é exibida como
mostruário de desajustes. O pai, pateticamente ausente, a mãe, alterada
adoradora de ícones religiosos, a filha, drogada e prostituída, o filho,
supostamente vivendo num mundo virtual, são coadjuvados por pitonisa que
coabita com uma cobra em hotel de Nova Iorque, garota muda e motorista pedófilo.
Sem dúvida, um painel de estereotipias que se desenha por situações não menos óbvias.
As personagens são categorizadas por idades (os mais velhos, desiludidos e sem
perspectivas, se confundem com os jovens mergulhados na mesma vibe), a narrativa pelo empréstimo de
recursos realistas (a ambientação condiciona as atitudes de cada um) e o clima
decadentista acentuado por sexo, droga e rock
and roll tardio. Há muito de déjà vu e
pouca segurança do autor na evidente intenção de provocar impacto, totalmente
frustrada. O interesse que tal texto possa ter provocado em quem o importou, se
explica, talvez, pelo desafio que propõe a um diretor estreante. É o caso de
Erika Mader que se propõe a encenar essa desgastada trama, abordando-a como
desafio, abrigada pela divisão em quadros e sugestão de cortes rápidos. É o que
a neófita diretora aplica, procurando ritmo que internamente o texto não
possui. Falta à cena maior atmosfera que a torne crível, afinal se trata de
realismo. A diretora não consegue encontrar o nervo daqueles seres soltos, mais
preocupada em desenhar os contornos de sua pele. O final, que é possível prever
bem antes do desfecho, não tem tratamento do autor e da diretora que evitem a
sua facilidade dramática. O elenco –
Léo Wainer, Cris Larin, Luisa Arraes e César Cardadeiro – se esforça para
tornar verdadeiro o que é somente imposto.
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