domingo, 21 de outubro de 2012

Outros Palcos


Recife

Crítica/ Duas Mulheres em Preto e Branco
Vivências femininas em tonalidades extremas
Essa montagem estreada em Recife, com direção de Moacir Chaves, é baseada no conto do autor cearense Ronaldo Correia Brito, que avança sobre o relacionamento de duas mulheres, em contraponto à vida política e social brasileira dos anos 70 em diante. Referências a autores, filmes e fatos políticos, rebatidos por vivências atuais e acúmulo de perdas e desavenças,  as duas se reencontram, passando à limpo traições e arrefecimento das utopias da juventude. O enfretamento circula pelas tonalidades extremas mencionadas no título. O conto de Brito, que tem muito de geracional (as citações políticas e culturais se prendem aos anos formadores da geração, hoje com mais de 60 anos) é conduzido para atingir um clímax. O diretor Moacir Chaves desviou-se da possibilidade de transformar o efeito final pretendido pelo autor em truque teatral, preferindo ressaltar como material cênico o diálogo existencial entre as personagens. Para tanto, recorreu à encenação do próprio conto, sem adaptações ou fugas à inteireza das 18 páginas do original. Como tem feito em recentes montagens, Chaves infiltra teatralidade em peças literárias, documentos históricos e sermões religiosos, encontrando a autonomia expressiva na ousada transposição de gêneros. Em Duas Mulheres em Preto e Branco, a maleabilidade para estabelecer a ponte entre o literário e o teatral está em adotar, sem desvios, o papel das mulheres como narradoras de seu relacionamento, integralmente reproduzido no palco. Seguindo o escrito, o diretor cria uma cena que vai se desdobrando em ações narradas, expostas quase como demonstrativos. Não há emoções abertas e indicações subjetivas. Cada personagem se revela com distância expositiva, apresentando o conflito, decompondo a fala. Às vezes frios, outras vezes expandidos, os sentimentos se apresentam, ora em recitativos, ora operisticamente, com toques melodramáticos ou em tom discursivo. Tal proposta provoca nas atrizes – Paula de Renor e Sandra Possani – a mudança constante de tom interpretativo, em troca intensa de climas dramáticos. A desconstrução ao longo do espetáculos do integrado e bem desenhado cenário de Fernando Mello da Costa, a sensível iluminação de Aurélio de Simoni e a trilha musical de Tomás Brandão e Miguel Mendes cercam as atrizes de sólido apoio para o jogo afinado de suas interpretações.

                                        macksenr@gmail.com