Recife
Crítica/ Duas Mulheres
em Preto e Branco
Vivências femininas em tonalidades extremas |
Essa montagem estreada em Recife, com direção de
Moacir Chaves, é baseada no conto do autor cearense Ronaldo Correia Brito, que
avança sobre o relacionamento de duas mulheres, em contraponto à vida política
e social brasileira dos anos 70 em diante. Referências a autores, filmes e
fatos políticos, rebatidos por vivências atuais e acúmulo de perdas e
desavenças, as duas se reencontram,
passando à limpo traições e arrefecimento das utopias da juventude. O enfretamento
circula pelas tonalidades extremas mencionadas no título. O conto de Brito, que
tem muito de geracional (as citações políticas e culturais se prendem aos anos
formadores da geração, hoje com mais de 60 anos) é conduzido para atingir um
clímax. O diretor Moacir Chaves desviou-se da possibilidade de transformar o
efeito final pretendido pelo autor em truque teatral, preferindo ressaltar como
material cênico o diálogo existencial entre as personagens. Para tanto,
recorreu à encenação do próprio conto, sem adaptações ou fugas à inteireza das 18
páginas do original. Como tem feito em recentes montagens, Chaves infiltra
teatralidade em peças literárias, documentos históricos e sermões religiosos,
encontrando a autonomia expressiva na ousada transposição de gêneros. Em Duas Mulheres em Preto e Branco, a
maleabilidade para estabelecer a ponte entre o literário e o teatral está em
adotar, sem desvios, o papel das mulheres como narradoras de seu relacionamento,
integralmente reproduzido no palco. Seguindo
o escrito, o diretor cria uma cena que vai se desdobrando em ações narradas,
expostas quase como demonstrativos. Não há emoções abertas e indicações
subjetivas. Cada personagem se revela com distância expositiva, apresentando o
conflito, decompondo a fala. Às vezes frios, outras vezes expandidos, os
sentimentos se apresentam, ora em recitativos, ora operisticamente, com toques
melodramáticos ou em tom discursivo. Tal proposta provoca nas atrizes – Paula
de Renor e Sandra Possani – a mudança constante de tom interpretativo, em troca
intensa de climas dramáticos. A desconstrução ao longo do espetáculos do integrado
e bem desenhado cenário de Fernando Mello da Costa, a sensível iluminação de
Aurélio de Simoni e a trilha musical de Tomás Brandão e Miguel Mendes cercam as
atrizes de sólido apoio para o jogo afinado de suas interpretações.