Crítica/
Macbeth
Pequena chama ilumina a tragédia |
Nas suas últimas encenações de clássicos, Gabriel
Villela tem promovido revisão na forma como se apropria dos meios expressivos
através dos quais os enquadra no que poderíamos convencionar como sua estética
pessoal. Tanto em Sua Incelença, Henrique
III, quanto em Hécuba, os dois
últimos espetáculos do diretor, ao lado da adaptação teatral do romance de
Lúcio Cardoso, Crônica da Casa
Assassinada, Villela se interpõe à convenção do trágico e exercita a
liberdade de amoldar o texto ao tempo e espaço da imagem. Em Macbeth reforça essa linha com a mesma
exuberância visual que marca sua trajetória como encenador, acrescida da
condensação da narrativa e da virada do trágico para o drama, de certo modo
identificado com os antigos dramas circenses. Ao abordar a construção da culpa,
deflagrada por assassinatos que Shakespeare decompõe com atos de vilania em
torno da ambição de poder, a versão em cartaz no Teatro dos Quatro fica à
margem de maiores questões que envolvem a trama. Radicalmente cortada, a
tradução de Marcos Daud, que busca a coloquialidade,
abandonando a métrica original, tem a função de roteirizar, eliminando
diálogos e suprimindo os vazios com narração. Nesta decupagem à serviço de modelo
de encenação, perdem-se as nuances do entrecho e a extensão da palavra poética No
enquadramento cênico de Villela, repetem-se figurinos dramaticamente coloridos,
maquiagem fortemente desenhada e uso de objetos inusitados para compor roupas e
cenário. Permanecem o detalhamento de movimentos e quebras narrativas. Ajusta-se
a fluência que se quer imprimir à comunicabilidade que se deseja emprestar ao
trágico. Ficam pelo caminho as vozes dos que falam de dentro da ebulição dos
sentimentos, restringidos a um sopro de pequena chama. O elenco, malabarista
nesse drama de enredo facilitado, se desdobra em ritualizar o cômico, celebrar
o jogo teatral, compor contornos pictóricos. As bruxas – José Rosa, Marcos
Furlan e Rogério Brito – tricotam vaticínios com a afetação de tipos. Carlos
Morelli se impõe menos como narrador do que como suntuosa figura coberta de
vermelho. Marco Antônio Pâmio, como Banquo, se desvia, ainda que timidamente,
da impostação dos demais atores. Hélio Cícero adere, também parcialmente, à linha
geral das interpretações. Marcello Anthony demonstra trabalho vocal, mas não
consegue projetar o alcance de Macbeth. Claudio Fontana, que vive Lady Macbeth
como um ator de teatro tradicional japonês, em que pese essa escolha um tanto
arbitrária em relação ao restante do elenco, realiza com competência e
sensibilidade o que lhe foi proposto. A iluminação deixa a cena um tanto desaquecida. O cenário, com elementos
pesados e pouco integrados às coloridas vestes e maquiagem dos atores,
empobrece, desta vez, a força das imagens, marca indelével das montagens de
Gabriel Villela.
macksenr@gmail.com