Crítica/
O Desaparecimento do Elefante
Close na procura de espaço entre o real e o imponderável |
São cinco contos do escritor japonês Haruki
Murakami, reunidos no palco do Teatro Fashion Mall sob o título de um deles: O Desaparecimento do Elefante. Os
demais, também têm títulos intrigantes – O
Pássaro de Cordas e as Mulheres da Terça-feira, O Comunicado do Canguru, Sono e
Segundo Ataque – que correspondem à estranheza que seus personagens
provocam, pelo menos à princípio. Na percepção dos descaminhos do mundo atual,
Murakami constrói, a partir de aparente banalidade (o dia de um desempregado, o
contato de empregado com cliente, a rotina de dona de casa, a investida de casal a uma lanchonete e
a conversa de vendedor com repórter), exposição de emoções e sentimentos, de
vazio e saturação, de desajuste e desequilíbrio. Situações que fogem ao que se
considera normalidade, acumulam interioridades que provocam e evidenciam absurdos
cotidianos. A profunda solidão dessas figuras arraigadas a seu meio, revela-se em
vivências transpostas para algum escapista universo paralelo ou no esgotamento dos
contornos palpáveis daquilo que os sentidos podem tocar. É neste espaço
volátil, esfumaçado entre o real e o imponderável que Murakami situa pessoas
comuns, que projetam num mundo que lhes é frustrante em sua ordenação, imagens nada
convencionais de si mesmos e de seus desejos. Dos textos selecionados para o
espetáculo, nem todos conseguem estender ao palco sua força expressiva,
desnudando-se no uso de um certo maneirismo literário para acondicionar desfocadas
estranhezas. O mais realista deles, Segundo Ataque, se restringe a um fotográfico registro, já em O Desparecimento do Elefante, a
estranheza é levada ao paroxismo da percepção do real, é se revela o melhor
deles. As diretoras Monique Gardenberg e Michele Matalon buscam traduzir essa área
existencial não preenchida com imagens em movimento de cinema de fotogramas
teatrais, em que o que se vê está editado quadro a quadro. E não apenas o
cenário-tela de Daniela Thomas e Camila Scmidt e a precisa iluminação de Maneco
Quinderé confirmam o aspecto cinematográfico
da montagem. A dupla de diretoras procura abordar a cena em close, destacando as atuações como um frente
a frente com a plateia. A introdução de trilha musical, que atua sobre a ação
como comentário, é um dos bons achados, assim como o trabalho corporal do
elenco, assinado por Marcia Rubin e o figurino de Claudia Kopke, em especial o
de Marjorie Estiano em Segundo Ataque.
Os atores se distribuem por várias participações, formando ótimo conjunto. Caco
Ciocler como o desempregado esmagado por um dia em que só viveu negações
transmite o vácuo a que é conduzido por tudo que o afasta de si mesmo. Como o
invasor da lanchonete faz crítica composição de uma certa indiferença da
juventude em relação ao que vive. Maria Luiza Mendonça circula bem entre a
esposa irritadiça e a dona de casa que perdeu a capacidade de dormir. Marjorie
Estiano é impagável figura saída de um mangá. Fernanda de Freitas tem firme
atuação como a adolescente. Kiko Mascarenhas dá a dimensão patética ao
empregado de loja. Felipe Abib e Clarissa Kiste têm
humor como locutores de telejornal. Rafael Primot se apropria do texto mais
complexo e o transmite com especial sensibilidade que empresta as palavras. O
elenco que alcança alto nível nas interpretações se harmoniza em montagem
sofisticada e tecnicamente bem acabada.
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