quarta-feira, 14 de novembro de 2012

40ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Absurdo
Duelo de oposições sem contrastes
Criação coletiva da Cia. Atores de Laura, em cartaz no Teatro Leblon, é um compêndio de situações reunidas sob a inspiração do absurdo. Não exatamente daquilo que se convencionou definir como Teatro do Absurdo, mas de longíngua inspiração neste movimento, e somente aproximado pela nomenclatura. O que na dramaturgia de Ionesco e seguidores haveria de distorção do realismo por meio de seus próprios instrumentos (a palavra e a linearidade narrativa), na montagem de Daniel Herz se transforma em jogo de contrários. A casa que abriga personagens que têm obsessões inalcançáveis, de onde alguns não conseguem sair e outros chegar, é o espaço de simulacro do absurdo que se confunde com involuntário vaudeville-cabeça. A sucessão de aparências que vão sendo desmentidas por palavras que assumem sentido diverso daquele que exprimem, não se corporifica dramaturgicamente pela ausência de sustentação conceitual. As cenas se mostram com desenvolvimento algo arbitrário, estabelecidas por situações soltas e diálogos de superficial estranheza, reduzindo-se a duelo de oposições sem contrastes. Com a mesma marca de seu estilo como encenador, aprimorado na companhia que lidera, Daniel Herz confere agilidade à montagem, mantendo a soltura e movimentação constante dos atores. E o que  tem sido sua assinatura como diretor, desta vez se adapta, apenas parcialmente, às características da dramaturgia coletizada de outros espetáculos. Absurdo perde fôlego a meio do caminho, tornando-se monótono no previsível confronto entre afirmações e negações, que nem mesmo o esforço do elenco – Ana Paula  Secco, Anderson Mello, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Verônica Reis – consegue camuflar.    
  
Crítica/ Domésticas
Recolha de experiências de espontânea contundência
Antes de se transformar em peça foi filme bem sucedido de Fernando Meirelles, com os mesmos depoimentos recolhidos pelos autores Renata Melo e José Rubens Siqueira que integram a montagem em cartaz no Teatro do Sesi. Com histórias de empregadas domésticas, apresentadas de maneira direta, de frente para a plateia, na versão teatral dirigida por Bianca Byngton, se reproduz o relato espontâneo, sem interferências, quase jornalístico, de experiências de quem compartilha mundos que as ignoram. O registro de tantos desejos e frustrações, de ingenuidade e solidão, de compartimentação social e vazio individual não é marcado por análises ideológicas ou mensurações psicológicas, apenas coleta de sentimentos e de vivências que delineam o quadro de  atividade profissional. Sem pender para o sociologuês e o melodramático, Domésticas retira humor de revelações às vezes patéticas, de relações entre patrões cruéis  e empregadas vulneráveis e de tristes e incontornáveis emoções. Nunca piegas e condescendente, a encenação diz muito e melhor da condição das domésticas do que tratados acadêmicos e discursos hipócritas. Bianca Byngton conduziu com simplicidade o elenco e se cercou de cenário despojado (painel suspenso formado por uniformes) e iluminação irrepreensível de Maneco Quinderé. Ana Paula Sant’Anna, em menor intensidade, Cacau Protássio, com maior histrionismo, e Daniela Fontan, com interpretação mais dosada provocam reações de riso. Alexandre Lino e Hossen Minussi pela mudança de gênero das personagens ficam em plano mais secundário.         

Crítica/ O Futuro Por Metade
Do lugar da ética de onde se olha o mundo
O Futuro Por Metade, que tem por aposto Variações Cênicas Sobre uma Mesma Conferência, e que está em cartaz no Teatro Ziembinski, se explica e justifica pelo poético e algo intrigante título, e se didatiza pelo subtítulo. Neste espetáculo dirigido em segmentos, orquestrados por André Paes Leme, Alexandre Mello, Oscar Saraiva e Vitor Lemos, o ponto de partida foi conferência proferida em Maputo pelo escritor Mia Couto e que desencadeiou questão de identidade: “um futuro que exclui o outro é um futuro pela metade”. Aos quatro diretores foi proposto pelas duas atrizes, Helena Varvaki e Julia Morales, “desdobramentos cênicos” para a palestra de Couto, roteirizados através de decálogo que deveria conter ítens determinados a serem observados pelos diretores. Desta formalização, que viveu mais ativamente na sala de ensaios do que no espaço teatral público (afinal estas informações são comunicadas à plateia, sumariamente, antes do início, e precisam ser consultadas no bem confeccionado e ilustrativo programa), sintetiza-se a essência da proposta: “é fácil, embora vá se tornando raro, ser solidário com os outros. Difícil é sermos os outros.”  A excessiva fragmentação na construção do espetáculo, as múltiplas vias expressivas que adota e as bases conceituais sobre as quais se fundamenta delimitam, prazeirosa e arduamente, a sua fruicão. Numa linha mais comunicativa, que no entanto não se desvia do centro da encenação, há o quadro da incomunicabilidade da burocracia universalizando as línguas. Na mesma frequência, se inclui a partida que expõe no adeus toda a convivência. O que ressalta da montagem é a integridade do que se pretende dizer, da honestidade que se intenta estabelecer com a vinculação límpida do lugar da ética de onde se olha para o mundo. São esses propósitos, mais do que questões técnicas, que emergem do palco, com reflexos na atuação de Helena Warvaki e Julia Morales, dupla afinada e afiada, que demonstra a inteireza de como vivenciou um processo de criação.     

Crítica/ Bette Davis e a Máquina de Coca Cola
Esquetes que dão saudades de Artur Azevedo
A idéia inicial de Bette Davis e a Máquina de Coca-Cola, em cartaz no Teatro Dulcina, é de Jô Bilac, autor que estorou há pouco mais de três temporadas, e lança seus textos com a frequência de, pelo menos, dois ao ano. Neste caso, Bilac emprestou apenas a situação básica para que a também e profícua autora Renata Mizrahi a desenvolvesse para duração de uma hora. O problema está, exatamente, nesta extensão. Se a princípio Bette Davis não era nada além de um esquete, escrito tão somente para esse formato, prolongá-lo parece ser um engano comprometedor. Partindo do complexo de Bette Davis, comportamento infantilizado da atriz do filme Quem Tem Mêdo de Baby Jane?, outras neusoses são incorporadas à brincadeira de Bilac. Mizrahi acresenta a síndrone de rir sem parar, mania de repetir frases feitas (que só nos faz lembrar e medir o abismo em relação a Amor por Anexins, de Artur Azevedo), e a de cantar em momentos inapropriados. Tais adendos são amparados por fio narrativo mal alinhavado e de humor rarefeito e não de outros esquetes que se arrastam na mesma comicidade rala.  O diretor e cenógrafo Diego Molina procurou envolver a montagem de alguma sofisticação, retirando-lhe o caráter balaio de esquetes. Ao mesmo tempo que embrulha de maneira menos rasteira a banalidade dos textos, acaba por acentuar o quanto são rasos, tornando-os ainda mais descompassados em relação ao seu verdadeiro alcance. Tanto no visual quanto na participação do elenco, parece que se criou uma superestrutura que desmente e caminha em sentido inverso ao material disponível. Os atores – Anderson Cunha, Carine Klimeck e César Amorim – aparentam estar trabalhando em registro diverso aos seus temperamentos de intérpretes, mas dentro das restritas dimensões do que se oferecem, se saem bem.     

Crítica/ Querida Mamãe
Conversa de intimidades entre filha e mãe
Em 1994, quando estreou no Rio Querida Mamãe, de Maria Adelaide Amaral, com Eva Wilma e Eliane Giardini, que agora ganha nova encenação, assinada por Susana Garcia e Herson Capri, com Stella Freitas e Cassia Linhares, em cena na Sala 2 do Teatro do Fashion Mall, analisava a dramaturgia da autora a partir da dramatização desta conversa entre mãe e filha. A obra teatral de Maria Adelaide trata das relações humanas sob perspectiva psicológica. Seja quando fala de contatos no trabalho (A Resistência), no casamento (Bodas de Papel) ou nos embates afetivos (De Braços Abertos), Adelaide esmiúça sentimentos através de comportamentos emocionais em diálogos enxutos. A relação atritante entre filha e mãe é perpassada em encontros sem muita coerência na passagem de tempo entre eles, e em quadros que  se repetem em circularidade dramática sem muita tensão evolutiva. E as personagens se enfraquecem por perfis extremados: a filha adquire contornos monocórdios, enquanto a mãe se desenha acentuadamente convencional. Arranhando o melodrama e se avizinhando, com prudente cuidado, do homossexualismo e de atitudes de rebeldia, explora sem muita densidade alguns dos conflitos que se interpõem em relações familiares íntimas. Por força das fraturas do texto, na encenação predomina a pulsão interpretativa das atrizes, que precisam encontrar o espectro afetivo das personagens. O casal de diretores oferece às atrizes a oportunidade de chegar à plateia através do efeito identificador, de sintonizar suas experiências ao relacionamento visto no palco. Para tanto, é construído cenário simples, mas elegante de Natalia Lana, mudanças de cena com sensível luz de Paulo Cesar Medeiros e trilha de Alexandre Elias. Tudo funcionando com fluência e com alguma comunicabilidade. Cassia Linhares e Stella Freitas tentam imprimir doses de veracidade à filha e à mãe. Cassia não ultrapassa os limites e a linearidade da filha resmungona. Stella numa composção física de uma senhora tradicionalista colore um pouco mais o arco vivencial da mãe.   

                                                               macksenr@gmail.com