Crítica/ Absurdo
Duelo de oposições sem contrastes |
Criação coletiva da Cia. Atores de Laura, em cartaz
no Teatro Leblon, é um compêndio de situações reunidas sob a inspiração do
absurdo. Não exatamente daquilo que se convencionou definir como Teatro do
Absurdo, mas de longíngua inspiração neste movimento,
e somente aproximado pela nomenclatura. O que na dramaturgia de Ionesco e
seguidores haveria de distorção do realismo por meio de seus próprios
instrumentos (a palavra e a linearidade narrativa), na montagem de Daniel Herz
se transforma em jogo de contrários. A casa que abriga personagens que têm
obsessões inalcançáveis, de onde alguns não conseguem sair e outros chegar, é o
espaço de simulacro do absurdo que se confunde com involuntário vaudeville-cabeça. A sucessão de
aparências que vão sendo desmentidas por palavras que assumem sentido diverso
daquele que exprimem, não se corporifica dramaturgicamente pela ausência de
sustentação conceitual. As cenas se mostram com desenvolvimento algo
arbitrário, estabelecidas por situações soltas e diálogos de superficial
estranheza, reduzindo-se a duelo de oposições sem contrastes. Com a mesma marca
de seu estilo como encenador, aprimorado na companhia que lidera, Daniel Herz
confere agilidade à montagem, mantendo a soltura e movimentação constante dos
atores. E o que tem sido sua
assinatura como diretor, desta vez se adapta, apenas parcialmente, às
características da dramaturgia coletizada de outros espetáculos. Absurdo perde fôlego a meio do caminho,
tornando-se monótono no previsível confronto entre afirmações e negações, que
nem mesmo o esforço do elenco – Ana Paula
Secco, Anderson Mello, Luiz André Alvim, Marcio Fonseca e Verônica Reis
– consegue camuflar.
Crítica/ Domésticas
Recolha de experiências de espontânea contundência |
Antes
de se transformar em peça foi filme bem sucedido de Fernando Meirelles, com os
mesmos depoimentos recolhidos pelos autores Renata Melo e José Rubens Siqueira
que integram a montagem em cartaz no Teatro do Sesi. Com histórias de
empregadas domésticas, apresentadas de maneira direta, de frente para a
plateia, na versão teatral dirigida por Bianca Byngton, se reproduz o relato
espontâneo, sem interferências, quase jornalístico,
de experiências de quem compartilha mundos que as ignoram. O registro de tantos
desejos e frustrações, de ingenuidade e solidão, de compartimentação social e
vazio individual não é marcado por análises ideológicas ou mensurações
psicológicas, apenas coleta de sentimentos e de vivências que delineam o quadro
de atividade profissional. Sem
pender para o sociologuês e o
melodramático, Domésticas retira
humor de revelações às vezes patéticas, de relações entre patrões cruéis e empregadas vulneráveis e de tristes e
incontornáveis emoções. Nunca piegas e condescendente, a encenação diz muito e
melhor da condição das domésticas do que tratados acadêmicos e discursos
hipócritas. Bianca Byngton conduziu com simplicidade o elenco e se cercou de
cenário despojado (painel suspenso formado por uniformes) e iluminação
irrepreensível de Maneco Quinderé. Ana Paula Sant’Anna, em menor intensidade,
Cacau Protássio, com maior histrionismo, e Daniela Fontan, com interpretação
mais dosada provocam reações de riso. Alexandre Lino e Hossen Minussi pela
mudança de gênero das personagens ficam em plano mais secundário.
Crítica/ O Futuro Por Metade
Do lugar da ética de onde se olha o mundo |
O
Futuro Por Metade, que tem por aposto Variações Cênicas Sobre uma Mesma Conferência, e que está em cartaz
no Teatro Ziembinski, se explica e justifica pelo poético e algo intrigante
título, e se didatiza pelo subtítulo. Neste espetáculo dirigido em segmentos,
orquestrados por André Paes Leme, Alexandre Mello, Oscar Saraiva e Vitor Lemos,
o ponto de partida foi conferência proferida em Maputo pelo escritor Mia Couto
e que desencadeiou questão de identidade: “um futuro que exclui o outro é um
futuro pela metade”. Aos quatro diretores foi proposto pelas duas atrizes,
Helena Varvaki e Julia Morales, “desdobramentos cênicos” para a palestra de
Couto, roteirizados através de decálogo que deveria conter ítens determinados a
serem observados pelos diretores. Desta formalização, que viveu mais ativamente
na sala de ensaios do que no espaço teatral público (afinal estas informações
são comunicadas à plateia, sumariamente, antes do início, e precisam ser
consultadas no bem confeccionado e ilustrativo programa), sintetiza-se a essência
da proposta: “é fácil, embora vá se tornando raro, ser solidário com os outros.
Difícil é sermos os outros.” A
excessiva fragmentação na construção do espetáculo, as múltiplas vias
expressivas que adota e as bases conceituais sobre as quais se fundamenta
delimitam, prazeirosa e arduamente, a sua fruicão. Numa linha mais
comunicativa, que no entanto não se desvia do centro da encenação, há o quadro
da incomunicabilidade da burocracia universalizando as línguas. Na mesma
frequência, se inclui a partida que expõe no adeus toda a convivência. O que
ressalta da montagem é a integridade do que se pretende dizer, da honestidade que se intenta estabelecer
com a vinculação límpida do lugar da ética de onde se olha para o mundo. São
esses propósitos, mais do que questões técnicas, que emergem do palco, com
reflexos na atuação de Helena Warvaki e Julia Morales, dupla afinada e afiada,
que demonstra a inteireza de como vivenciou um processo de criação.
Crítica/ Bette Davis e a Máquina de Coca Cola
Esquetes que dão saudades de Artur Azevedo |
A
idéia inicial de Bette Davis e a Máquina
de Coca-Cola, em cartaz no Teatro Dulcina, é de Jô Bilac, autor que estorou há pouco mais de três
temporadas, e lança seus textos com a frequência de, pelo menos, dois ao ano.
Neste caso, Bilac emprestou apenas a situação básica para que a também e
profícua autora Renata Mizrahi a desenvolvesse para duração de uma hora. O
problema está, exatamente, nesta extensão. Se a princípio Bette Davis não era nada além de um esquete, escrito tão somente
para esse formato, prolongá-lo parece ser um engano comprometedor. Partindo do complexo de Bette Davis, comportamento
infantilizado da atriz do filme Quem Tem
Mêdo de Baby Jane?, outras neusoses são incorporadas à brincadeira de
Bilac. Mizrahi acresenta a síndrone de rir sem parar, mania de repetir frases
feitas (que só nos faz lembrar e medir o abismo em relação a Amor por Anexins, de Artur Azevedo), e a
de cantar em momentos inapropriados. Tais adendos são amparados por fio
narrativo mal alinhavado e de humor rarefeito e não de outros esquetes que se
arrastam na mesma comicidade rala.
O diretor e cenógrafo Diego Molina procurou envolver a montagem de
alguma sofisticação, retirando-lhe o caráter balaio de esquetes. Ao mesmo tempo
que embrulha de maneira menos rasteira a banalidade dos textos, acaba por
acentuar o quanto são rasos, tornando-os ainda mais descompassados em relação
ao seu verdadeiro alcance. Tanto no visual quanto na participação do elenco,
parece que se criou uma superestrutura que desmente e caminha em sentido inverso
ao material disponível. Os atores – Anderson Cunha, Carine Klimeck e César
Amorim – aparentam estar trabalhando em registro diverso aos seus temperamentos
de intérpretes, mas dentro das restritas dimensões do que se oferecem, se saem
bem.
Crítica/ Querida
Mamãe
Conversa de intimidades entre filha e mãe |
Em
1994, quando estreou no Rio Querida Mamãe,
de Maria Adelaide Amaral, com Eva Wilma e Eliane Giardini, que agora ganha nova
encenação, assinada por Susana Garcia e Herson Capri, com Stella Freitas e
Cassia Linhares, em cena na Sala 2 do Teatro do Fashion Mall, analisava a dramaturgia
da autora a partir da dramatização desta conversa entre mãe e filha. A obra
teatral de Maria Adelaide trata das relações humanas sob perspectiva
psicológica. Seja quando fala de contatos no trabalho (A Resistência), no casamento (Bodas
de Papel) ou nos embates afetivos (De
Braços Abertos), Adelaide esmiúça sentimentos através de comportamentos emocionais
em diálogos enxutos. A relação atritante entre filha e mãe é perpassada em
encontros sem muita coerência na passagem de tempo entre eles, e em quadros
que se repetem em circularidade
dramática sem muita tensão evolutiva. E as personagens se enfraquecem por perfis
extremados: a filha adquire contornos monocórdios, enquanto a mãe se desenha
acentuadamente convencional. Arranhando o melodrama e se avizinhando, com
prudente cuidado, do homossexualismo e de atitudes de rebeldia, explora sem
muita densidade alguns dos conflitos que se interpõem em relações familiares
íntimas. Por força das fraturas do texto, na encenação predomina a pulsão
interpretativa das atrizes, que precisam encontrar o espectro afetivo das
personagens. O casal de diretores oferece às atrizes a oportunidade de chegar à
plateia através do efeito identificador, de sintonizar suas experiências ao relacionamento
visto no palco. Para tanto, é construído cenário simples, mas elegante de
Natalia Lana, mudanças de cena com sensível luz de Paulo Cesar Medeiros e
trilha de Alexandre Elias. Tudo funcionando com fluência e com alguma
comunicabilidade. Cassia Linhares e Stella Freitas tentam imprimir doses de
veracidade à filha e à mãe. Cassia não ultrapassa os limites e a linearidade da
filha resmungona. Stella numa composção física de uma senhora tradicionalista
colore um pouco mais o arco vivencial da mãe.
macksenr@gmail.com