quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Outros Palcos


São Paulo

Crítica/ Ópera dos Três Vinténs
Quadro vivo e fiel de um legado 
A ópera de Bertolt Brecht e Kurt Weill que o Bob Wilson dirigiu para o Berliner Ensemble, templo da obra brechtiana e que está em cena no Sesc Pinheiros, se conjuga pela diferença de códigos. A adaptação da Ópera dos Mendigos, de John Gay, que inspirou Brecht-Weill, foi contaminada na recriação pelas teorias do dramaturgo alemão, e por sua vez revista pelo Berliner pela ótica formalista de Wilson. Tantos planos criativos, filtrados pela ação do tempo e pelo redimensionamento de linguagens, refluem nesta versão para uma total fidelidade ao teatro de Brecht. Ao situar a ação nos anos 20, Wilson revestiu a narrativa, não só visualmente (o elenco, com maquiagem branca, adota figuras de cabaré de Berlim da época e tipos expressionistas dos filmes de Murnau), mas interpretativamente (gestos rígidos e movimentos exagerados estabelecem o distanciamento). Desta forma, o efeito demonstrativo se reveste em comentário, exatamente o pretendido por Brecht. A dramaturgia cênica de Bob Wilson com seus códigos sedimentados se encaixa ao protocolo ideológico sem perder qualquer de seus fundamentos. Na Ópera dos Três Vinténs do encenador americano, a precisão da luz e som, elementos determinantes de sua estética, se afinam em plano de sofisticação irrepreensível. A féerie da iluminação, que é em si mesma cenografia, explode em sucessivos quadros, ora como linhas de abstrações, ora como lembrança de antigas casas de music hall. O contraste da frieza do néon com o insinuante colorido, em especial no final, quando surge a cortina vermelha, retira de quadros vivos uma supra-dramaticidade de força inegável. À atuação marcada por ruídos de passos ou na manipulação de objetos, acrescentam-se sons de velhos gramofones que acompanham algumas das canções. A música de Weill valoriza-se por intérpretes com vozes sempre muito bem colocadas, transmitindo a contundência das letras, projetadas pela qualidade dos atores do Berliner. Cada um deles, de idades bem diferentes, como exigem os personagens, mostra a integridade técnica para interpretar um autor, do qual são os atuais depositários da seu legado, mas que se integram à maquinaria cênica de Bob Wilson com impegável adesão artística.

                                                       macksenr@gmail.com