Três Tons de
Comédia
Crítica/ O Dia em
que Raptaram o Papa
Convivência papal numa família judia |
De Costumes.
João Bethencourt autor desta
montagem em cartaz no Teatro Clara Nunes, pode ser identificado como
comediógrafo, como eram chamados pelos antigos cronistas da vida teatral das
primeiras décadas do século passado os dramaturgos que tratavam os bons e maus
costumes de sua época com humor, amavelmente, crítico. Nesta comédia que é
desencadeada pelo que indica o título, Bethencourt instala o Papa, que está em visita a Nova
Iorque, na casa de família judia, desencadeando conflitos internacionais e
domésticos em doses controladas para não ferir suscetibilidades culturais e
religiosas. As características dos membros da família e a humanidade papal são
sublinhadas com fortes traços que acentuam contrastes pelo humor, mantendo-se
na variedade de situações que apóiam a comicidade. Nas comédias de Bethencourt,
e o Papa é bastante exemplar disso,
não se está perseguindo a piada e o humor circunstancial, os textos se
sustentam pela sua construção formal e pela segurança com que a trama se
desenrola. Atualmente, talvez, suas peças possam provocar algum estranhamento
por passar ao largo do que a maioria das comédias de hoje buscam selvagemente:
imeditiatismo, curta duração, entrechos semelhantes, comunicabilidade direta,
estrutura formal pouco elaborada. O diretor Tadeu Aguiar parece ter percebido
as exigências do nosso tempo, e tornado
um tanto mais farsesco o que é comentário agridoce. Mas com esta escolha,
Aguiar não se afasta da linha da comédia de costumes original, deixando à
mostra a estrutura dramatúrgica, baseada na solidez do playwriting cultivada por João Bethencourt. O elenco corresponde à
nervosidade que a direção imprime à ação. Com exceção dos que têm papéis menos
destacados, os demais atendem ao estilo do humor. Rogério Fróes é um adorável
Papa. Marcos Breda, um motorista de táxi facilmente reconhecível. Débora
Olivieri, uma boa mãe judia. E Renato Rabelo, um rabino um tanto
desequilibrado.
Crítica/ A
Importância de Ser Perfeito
Ceticismo chique sob a ótica da ambiguidade |
À Brasileira.
Nada mais britânico do que o
teatro de Oscar Wilde, em especial este texto, que em tradução e adaptação de Leandro Soares está em cartaz
no Teatro do Planetário. Os diálogos de cáustica observação da hipocrisia
social, com o toque espirituoso e irônico sobre os códigos de convivência fazem
dessa envolvente comédia uma peça de
duradouro alcance. Para além do entrecho, jogo de aparências que resultam em
dúbias interpretações e interpostas identidades, a narrativa está repleta de
frases de efeito mordaz, carregada de witty,
que embalam o ceticismo chique do autor. A atual versão, muito bem aclimatada
na tradução e na manutenção do espírito de origem, o diretor Daniel Herz ousou
transpô-la para universos algo afastados do original. O elenco masculino
interpreta papéis femininos. A ação transcorre em nossas fronteiras, com
algumas citações locais. E as referências à moral vitoriana se transfiguram em
imagens descontruidas de uma farsa à brasileira. A opção do diretor é levada
adiante com coerência estilística e adequação à linha adotada. A introdução da
música, interpretada pelos atores, nem sempre se ajusta, pela duplicidade de
funções do elenco que interfere no ritmo da encenação. O figurino de Thanara
Schonardie, ainda que reforce com humor do exagero a dubiedade do sexo, tem
mais uma imagem campestre de florido countryside inglês, do que um qualquer
mata nacional. Os intérpretes, totalmente integrados à proposta da direção,
intervêem com humor desabrido nas várias situações, mas a dupla João Pedro
Zappa e George Sauma aproveita, com integral comparsaria, a oportunidade de
explorar a boa comicidade na tradição popular brasileira.
Crítica/ Vexame
Popularesca.
Belo Horizonte, cidade de origem
deste espetáculo que ocupa o Teatro Clara Nunes, abriga uma geração de
comediantes que, a exemplo de outras praças, apostam no gênero como a sua
escolha artística. É o caso de Amauri Reis, que ao lado de Luciana Bahia, recorre
ao texto de Wesley Marchiori como fórmula de humor, unicamente como diversão e
escapismo. O vexame, de que fala o título, são os micos que um homem doentiamente ciumento paga por desconfiar de
qualquer atitude, entre elas as mais ingênuas, sempre que interpreta qualquer indício
como certeza de que está sendo traído. Numa sequência de cenas, precariamente
ambientadas num bar, as várias, nada originais e pouco interessantes reações do
homem se repetem como se cada uma delas buscasse se confundir com uma piada.
Essa perseguição contínua ao riso, esvazia inteiramente a possibilidade de se
estabelecer um arcabouço narrativo que fuja do humor impressivo. A montagem
dirigida pela atriz do grupo Galpão, Inês Peixoto, deixa impressão de que
arrumou a casa – cenário simplificado e iluminação esforçada – para que o ator
pudesse expandir mais ainda as oportunidades de, a pretexto de montar um texto,
e embrulhá-lo num quase monólogo. Nesse one
man show mal disfarçado, Amauri Reis domina a cena com malabarismos físicos
(até escala o cenário) e muita agitação (se movimenta e fala interruptamente).
A sua partner é somente escada para o show de um comediante excessivamente
histriônico.
macksenr@gmail.com