São Paulo
Crítica/ Um
Inimigo do Povo
Neste fim de semana, no Sesc Pinheiro, e a uma
semana de estrear no Festival Internacional de Teatro de Buenos Aires, Um Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen, com
direção de Thomas Ostermeier do Schaubühne Berlin deixou a certeza de que a
trupe alemã domina tecnicamente os desafios da encenação. Ao entrar na sala, painel
à frente do palco exibe trecho do texto que evidencia a proposta do diretor. Na
adaptação do original, que aproxima a trama de Ibsen a questões de intensa
atualidade, surge cadente libelo contra as verdades
do liberalismo e as mentiras da
democracia. O espaço vazio entre as essências,
aquela zona na qual se confundem, pelos desvios dos falsos estímulos (consumo,
desejos artificiais, idealizações induzidas), as vacuidades da vida
contemporânea, é onde se instala a atualidade de Ibsen na visão de Ostermeier. É
neste lugar em que prospera o esvaziamento dos conceitos e a razão duvidosa da
realidade que o diretor confronta a subjetividade do personagem Stockmann com a
perversidade do sistema ético-social sujeito à funcionalidade econômica. A
adaptação e direção imprimem esse cenário
político-social como provocativa tomada de posição, que se estende à
plateia, solicitada a debater os argumentos expostos por Stockmann na cena em
que enfrenta a oposição dos habitantes da estação termal. Há visível intenção
de aproximar o texto a este arcabouço quase agit-prop,
seja no estilo adotado na interpretação do elenco ou no visual-performático,
identificado com a estética de há duas décadas. As atuações parecem,
estranhamente naturalistas, a princípio, até se mostrarem arrebatadamente nervosas
na última hora. O cenário, uma parede negra em que desenhos a giz traçam o
doméstico e o exterior, se transforma em grande mural pintado de tinta branca, revertendo
a exposição do ato inicial em explosão do cerco final. A montagem tem a solidez
de construção cênica medida ao pormenor, carregada de indignação brechtniana, que se demonstra como palanque
teatral de oratória ardente. Uma possibilidade de atualizar texto clássico?
Reprodução de estética datada dos anos 90? Pretexto para reinterpretar,
politicamente, a obra de Ibsen? Todas essas perguntas cabem no espetáculo de
Ostermeier. As respostas, no entanto, convergem para a depurada técnica e a para
a precisão com que ideias são transformada em cena.
macksenr@gmail.com