Crítica/ Incêndios
Percurso ao encontro da verdade na revelação da origem |
A tragédia contemporânea de Wadji Mouawad ecoa a estrutura
da tragédia grega no estabelecimento do percurso de descobertas do nascedouro às
razões de ser. A mulher que se cala para anunciar aos filhos como deseja
concluir o ritual de sua morte, e legar-lhes o testamento de sua existência
através da incumbência de os fazer peregrinos para alcançar a consciência de
quem são, é alguém que se evade do pó da guerra para molhar o pó da tumba. Como
buscavam os gregos, essa vagamente Antígona, um tanto Medéia, quase Jocasta deixa
como herança à descendência o desafio de encontrar a verdade na revelação da
origem. O pano de fundo de guerras, de interditos sociais, insensatez política
e miséria moral ambienta as ressonâncias no indivíduo de um mundo que se
esfacela em suas próprias contradições e diante do qual resta-lhe o silêncio
eloquente que antecipa a morte de si, e a compreensão daqueles a quem deu a
vida. Em poética rascante e tragicidade impiedosa, Mouawad evoca cenário de seu
Líbano natal apenas como universo propulsor de narrativa que percorre o vácuo
do desconhecido para preenchê-lo com o conhecimento de quem se é. A
dramaticidade em Incêndios, em cartaz
no Teatro Poeira, está nos subterrâneos da ação, em que cada movimento-cena faz
parte do percurso a quem foi dada a possibilidade de percorrê-lo para confirmar
o destino já traçado. O diretor Aderbal Freire-Filho circulou por esses
subterrâneos, estabelecendo com lentos avanços o ritmo através do qual se caminha
pelo encaixes de um mosaico dilacerante. Não há firulas e efeitos numa cena
limpa, sem adereços ou detalhes desviantes. A rota é estabelecida pela secura e
aridez das trilhas que desembocam em um desfecho, igualmente seco e árido, como
exige revelações definitivas. Ao mesmo tempo, Aderbal cria um substrato poético
em belas imagens, como a da união dos corpos gêmeos, e a camuflagem aderente a
rosto dramático. A cenografia de Fernando
Mello da Costa contrapõe a despojada sugestão de espaço livre do palco com
colunas de aramado de sanguíneas e aprisionadas lembranças. Marieta Severo desdramatiza Navval como se buscasse
distanciá-la da emoção para narrar com lucidez demonstrativa os seus sentimentos.
A atriz se ajusta, plenamente, a esta linha de atuação. Kelzy Ecard desvia-se
em sentido oposto, procurando no dramático fortalecer a carga interpretativa.
Isaac Bernat em vários papéis procura individualizá-los corporal e vocalmente
com traços reiterativos. Keli Freitas se destaca, não só pela forma como
projeta a perplexidade curiosa da gêmea, como pela significativa presença em todas
as cenas. Felipe de Carolis, o outro
gêmeo, Fabianna de Mello e Souza, Julio Machado e Marcio Vito têm participações
uniformemente caracterizadas.
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