Crítica/ Quem Tem
Medo de Virginia Woolf?
O texto de Edward Albee, um dos mais bem acabados
exemplares do realismo psicológico americano, mostra um certo desvio de rumo ao
estabelecer relativa disfuncionalidade ao
estilo. A exposição de um relacionamento desenvolvido como uma zona emocional
de existência autônoma de um casal, com características definidas e localização
no espaço, amplia-se como substrato de jogo dramático que se constrói como ressignificação
de realidade. A longa noite de bêbadas confissões em que mergulham Marta e
Jorge, compartilhada pelo jovem casal, eventual aspirante de acordo semelhante ao do par anfitrião, se projeta como sombria fratura em união indissociável. Na
condução do crescente desvendamento de código perverso de convivência e de laços
subterrâneos de sentimentos, a narrativa explora, em ritual que imola os contornos
da intimidade nas chamas das conveniências sociais, o corpo em carne viva do
casal. A direção de Victor Garcia Peralta se aproxima, de início com alguma retração,
dessa exposição doentia, ao não estabelecer atmosfera muito desenhada e cruamente
intrigante. Há visível cuidado em tratar com relativo humor o que já se
apresenta como difusa angústia e impasse emocional. Mas as exigências próprias do
texto e o adensamento nas interpretações do elenco ajustam, progressivamente, o
clima para que o dolorido embate se realize com vigor. A cenografia de Gringo
Cardia procura fugir do ambiente de gabinete, ampliando os limites do sofá com
exterior de árvores e miniaturas de casas iluminadas, apoiando-se no efeito do palco giratório. A destacar a
tradução de João Polessa Dantas, que ao mesmo tempo em que se mantém fiel ao original, introduz pequenas
atualizações nacionais de linguagem que soam muito bem. O casal visitante é
vivido por Ana Kutner, que carrega um pouco além na composição da jovem de
inteligência limitada, e por Erom Cordeiro, que mostra certa uniformidade na apreensão
do personagem. Zezé Polessa modula os vários estados aos quais Marta é
submetida no decorrer desta noite dos desesperados, com firme e consistente
interiorização, capaz de criar momentos de surpreendentes nuances. Daniel
Dantas assume com autoridade interpretativa a fraqueza, humilhação e domínio de
Jorge, demonstrando em sofisticada e madura atuação a complexidade do personagem que percorre múltiplos atalhos emocionais.
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