Curitiba
Pela 21ª vez, o Festival de Teatro de Curitiba se realiza, mantendo a coerência de seus fundamentos estabelecidos no já longínguo ano de 1992. Daquela época, guarda o papel de “vitrine do teatro brasileiro”, acrescido das mostras paralelas Fringe – mais de 300 espetáculos que se distribuem pelos 13 dias de programação – Novos Repertórios e Teatro Para Ver de Perto – Grupos de BH. A mostra oficial, que reúne, majoritariamente a produção do Rio e São Paulo, com algumas montagens fora deste eixo, é mais um dos critérios mantidos desde a sua criação. Este ano dos 29 espetáculos da grade, 12 são originários do Rio, 11 de São Paulo, 2 de Recife, 1 de Salvador, 1 de Curitiba, 1 de Belo Horizonte e 1 da Espanha, abrangendo musical, circo, teatrão, monólogo, e algum experimentalismo. Vitrine ou retrato? A dúvida persiste em mais esta edição, repetindo-se ao longo de todos esses anos, como julgamento ou contestatação das escolhas da curadoria. Mas qualquer resposta se esvazia diante da fixação do festival pela sua abrangência, gigantismo e exposição. Entre os vários que se espalham pelo Brasil, Curitiba é o primeiro do ano (revelando espetáculos para os demais), o maior em tamanho (o Fringe é avassaladoramente volumoso, ainda que parcamente consistente em qualidade), e o que alia, com habilidade, teatro ao marketing.
A programação 2012, tem em Gerald Thomas uma presença dupla. Gargólios, originalmente estreado em Londres ano passado, e Licht + Licht do núcleo paulista da Cia. Ópera Seca, dirigido por Caetano Vilela, responsável pela sobrevivência no Brasil do grupo criado por Thomas. Gargólios, primeiro espetáculo do diretor de Quatro Vezes Beckett, depois de lançar carta aberta sobre a sua desistência do teatro, dá continuidade à sua dramaturgia cênica, recorrendo ao cronista, que cada vez mais pretende encenar o colapso contemporâneo, acionando a sua maquinária de som, luz e fumaça. Com o ataque às Torres do World Trade Centre como cenário, os super-heróis com poderes enfraquecidos, vão em busca de sobrevoar o entendimento de um mundo em queda. Não se compreende o que se passa. O que se vê, não interessa. Não se sabe o que faz sentido. A perplexidade continua instalada no teatro de Gerald Thomas. Esta visão geraldiana pós-desistência do palco, revive o desejo de ir atrás daquilo que se tem a dizer sobre o que ecoa em cada um, restando a advertiência de que “depois que a peça acaba, a vida continua”. E vamos, então, à vida.
Licht + Licht (Luz + Luz) é um filhote deste universo friccionado de Thomas, acrescido de muita ironia e auto-deboche. Os métodos de encenação e os meios de produção do teatro, triturados por Caetanto Villela, jogam em cena Fausto, Mephisco, Meister, Hamlet, numa salada luminosa que explode, a partir de zonas sombrias. Villela parece se divertir, provocando a plateia com o que poderá intrigá-la até a irritação. Por meios transversos atinge a acomodação de quem assiste e de quem faz teatro, e detona o melhor que o Festival de Curitiba mostrou este ano.
Na diversidade estilística da mostra, espetáculos como O Libertino, do francês Eric-Emmanuel Schmitt, direção de Jô Soares, cumpre o papel de popularizar a programação. Talvez preencha esse espaço, mas ficam incertezas sobre a justeza da escolha da comédia, quase um vaudeville, sobre as pulsões sexuais do filósofo Denis Diderot. O texto, que trata de sexo e do pensamento de Diderot, em dosagens que, ora pendem para um, ora para outro lado, recebeu da direção tratamento muito próximo do humorístico, como se a montagem perseguisse apenas a piada. A peça de Schimitt não chega a ter maior relevância, a não ser a de dar envólucro aparentemente refinado à trama de abrir e fechar portas, entre observações filosóficas e toques de cinismo. Jô Soares transforma o ator que interpreta Diderot, Cássio Scapin, num saltitante e inconvincente amante, num comediante à procura do riso. Esforço digno, mas frustrado.
Equus, que tanta repercussão alcançou quando de sua estréia na década de 70, e que fez de seu autor, o inglês Peter Shaffer um nome reconhecido como dramaturgo, foi visto no festival, com direção de Alexandre Reinecke, antes de iniciar temporada em São Paulo. O texto, muito bem construído, seguindo códigos de playwriting, o que explica o êxito que, ao longo do tempo, não escapa ao envelhecimento. O tempo é responsável pela diminuição do impacto da narrativa do garoto que cegou vários cavalos. A aura psicanalítica do caso se diluiu, e elementos da montagem original, como a iluminação mais ágil, a nudez e a dramatização de um caso psiquiátrico, são, atualmente, bem menos atraentes. Hoje, Equus é somente uma peça bem escrita. A atual versão paulista, reproduz o que foi feito há décadas. Mesmo que se tente inovar como o cenário high tec de André Cortez, e que Leonardo Miggiorin faça um bravo esforço para capturar o jovem Alan, a direção não revitaliza o que o avanço do tempo imobiliza, fazendo de qualidades, lembrança.
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