segunda-feira, 4 de julho de 2011

27ª Semana da Temporada 2011


Dramaturgia anglo-saxã em cartaz


CríticaO Bosque

Dueto entre a surdina e a eclosão em diálogos ácidos
A dramaturgia do americano David Mamet se desvia, apenas na aparência, do realismo psicológico que marca tão decisivamente a produção dramática dos Estados Unidos, a partir da década de 50 do século passado. De geração mais recente, mas com forte influência dos seus compatriotas antecessores na escrita teatral, Mamet se caracteriza por universo em que os sentimentos dos personagens emanam de uma América emocional profunda. São casais à procura de sustentar o encontro afetivo, ou encerrar desencontros amorosos ácidos, se digladiando em diálogos de sonoridade curta e intencionalidade surda. Em O Bosque, que pode ser visto no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil, Mamet dimensiona essas tendências em tom de crueza dissimulada por naturalismo desconcertante. O casal, que se refugia numa casa afastada para a reavaliação de vida a dois, vai desvendando neste ambiente de solidão e de lembranças, o quanto é fraturado aquilo que cada um ensaia como unidade. Em frases rápidas, os dois desestruturam, progressivamente, os liames frágeis que os ligam, e abrem espaço para a ruptura do que nunca se integrou. Esse cara a cara, em que as frases se enredam em comentários carregados de disfarces e ocultas sombras de mútuo desalento, o casal atinge o ponto de inflexão desse afastamento. Esse é o momento menos resolvido do texto, já que o autor ao explicar, procura dar justificativa para o comportamento de ambos, demonstrando com o desfecho, fidelidade aos cânones do realismo psicológico: coerência e verismo. Mesmo avançando para além de alguns dos condicionantes do estilo, Mamet derrapa nesta reiteração, esvaziando o ar volátil que os diálogos tão detalhadamente projetam. O diretor Alvise Camozzi revestiu a encenação de clima melancólico e declinante, ainda que interiormente tenso e fluído. Em cenário de William Zarella Jr., com amplo espaço negro, coadjuvado pelo iluminação, e a ausência completa de luz em alguns momentos, de Guilherme Bonfanti, o diretor conduz o par de atores como um dueto do qual extrai a música, entre a surdina e a eclosão. A luz, que evidencia e se apaga, está no centro do que se deixa entrever, e esta é a linha diretorial, que embala essa sonata outonal do esfacelamento de relação até à finitude. Bruno Kott e Cristine Perón se apropriam, na exata medida da intensidade verbal e do ritmo interior dos diálogos, deste sensível exemplar da dramaturgia de David Mamet.
      

Crítica/ Outros Tempos
Os vértices de um triângulo entre o silêncio e a lacuna
O lugar do realismo para o teatro do inglês Harold Pinter está no deslocamento do real para a lacuna. É neste movimento que se instalam os silêncios, ressonâncias tão características de sua escrita, e as situações quase corriqueiras, verdadeiras armadilhas narrativas para sua apreensão, como peças de encaixe de quebra-cabeças dramático. Neste jogo, Pinter desfaz assertivas e desenrola trama aparentemente contínua, em que o tempo atua com lógica desestruturada. Em Outros Tempos ( Old Times, no original), cartaz no Espaço Sesc, a contingência temporal se acentua na sua decomposição como impulso dramático. A visita de amiga a casal, que desencadeia mistérios da visitante e da mulher quando jovens, provoca no homem o incômodo de ser desconhecido neste passado e estranho no presente. As lembranças do acontecido e a peças do triângulo que se movimentam corroendo os vários ângulos, provocam, em meio a longas pausas e a atalhos de possibilidades, fricções que impelem os deslocamentos de suas posições nos vértices do geométrico diálogo. Não é fácil encontrar a sintonia para tantos firulas, como  se o autor estivesse propondo a captura de sutil oscilação pendular. O estreante diretor Pedro Freire demonstra que, ainda que sem outro registro no currículo teatral, é alguém que se aproxima da dramaturgia de Pinter com intimidade. O despojamento da direção, que avança a passos bem marcados por esse balé de intenções encobertas, cria, efetivamente, a ambientação crescentemente dúbia que comanda as atitudes dos personagens. Em volteios, que movem a simples cenografia de Domingos de Alcântara, e fazem circular a iluminação de Paulo César Medeiros, Pedro Freire aciona a circulação desta roda dentada em torno de um eixo não inteiramente cerebral. Abre brechas para um leve toque de humor, para maior distensão das pausas e para o ajustamento à juventude dos atores. E provavelmente à sua própria juventude como diretor. Desta forma, imprimiu assinatura à sua primeira encenação. O elenco, talvez seja o maior prejudicado nesta empreitada, por mais contraditório que a afirmação possa parecer. Cristina Flores, uma atriz inteligente cenicamente e inquieta nas suas investidas profissionais; Otto Jr., um ator que estende suas atuações a variantes gêneros; e Paula Braun, atriz com presença e máscara diáfana, se mostram corretos nas suas interpretações, mas inadequados (seriam jovens demais? demonstram carga emocional de menos?) à intrigante manipulação das palavras lançadas no tempo que toca o absurdo.                


Crítica/ Grito D’Alma
Retórico mergulho em obsessões neuróticas
O americano Tennesee Williams é o mais significativo representante do realismo psicológico, com suas peças fortemente baseadas em sua biografia e obsessões familiares. Em Grito D’Alma (Out Cry, no original), escrita em 1973, dez anos antes de sua morte, e em cena no Solar de Botafogo, mantém suas características mais destacáveis. Na confinada relação de irmãos, atores de decadente companhia itinerante, que fazem a encenação de seus doentios e neuróticos traumas, Williams revisa velhos temas sem o mesmo vigor de seus textos mais consistentes. Em excessivo derramamento autocomplacente, repleto de referências a outras de suas peças, retórica (ele próprio, através de um personagem, menciona essa efusão verbal) e com indisfarçável dificuldade em arrematá-lo, Grito D’Alma é um dos textos menos expressivos de Tennessee Williams. E qualquer montagem deverá considerar tantas limitações. Não é o que acontece na versão de Diogo Salles. Sem construir mínima atmosfera que se desvie da monótona angustia verbosa dos irmãos, o diretor se entrega ao caudal das palavras e a imobilidade da trama, sem conseguir dar vigor ao medo infantil dos personagens. Os atores Glauce Guima e Marcelo Pio contribuem com interpretações empenhadas, mas inconvincentes, para o longo e decepcionante mergulho de Tennessee Williams nas suas recorrentes obsessões.       


Cenas Curtas

 A diretora Christiane Jathay está, duplamente, em cartaz: no teatro e no cinema. A encenadora reestréia, no Teatro Sérgio Porto, o monólogo de Newton Moreno, O Livro, com Eduardo Moscovis, transformando a narrativa em capítulos existenciais que se traduzem em escrita arrojada na cena. Na transferência do palco para a tela, A Falta Que Nos Move, Christiane ampliou o jogo entre realidade e encenação em nova dinâmica, mais contundente. Vale uma ida ao cinema.

O ator, diretor e autor Rodrigo Nogueira, que levou o troféu de melhor autor na última edição do Prêmio da Associação dos Produtores Teatrais do Rio por Ponto de Fuga, traz seu texto de volta ao cartaz. Agora, no Teatro do Planetário, a peça, que estabelece contrapontos de sentimentos, mantém o elenco da temporada original. A próxima etapa do texto é a sua transposição para o cinema. O filme, que começa a ser rodado, em Curitiba, ainda este ano, será dirigido por Rodrigo Nogueira, marcando sua estréia neste novo meio.
  

O Que Há (de melhor) Para Ver

Crônica da Casa Assassinada – Nesta saga de danações, adaptada com a mesma densidade narrativa do romance de Lúcio Cardoso, o diretor Gabriel Villela revigora a sua imagística mineiro-mística com cenário arrebatador na reprodução de portal de igreja barroca e figurinos que envolvem os personagens em lençóis-mortalhas. Montagem de beleza rascante, tem elenco que se harmoniza com vigor a esse culto à putrefação do prazer. Teatro Maison de France.

Um Violinista no Telhado – Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma  aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.

                                                 
                                                          macksenr@gmail.com