segunda-feira, 27 de junho de 2011

26ª Semana da Temporada 2011


E continuam os monólogos


Crítica/ O Filho Eterno

Em direção, e por filtros afetivos,  ao homem definitivo 
O quase pai, à espera da descendência, aos 28 anos, é um escritor sem obra, que está diante do que lhe é desconhecido, declarando-se um homem provisório. O que aguarda está carregado de expectativa, que o coloca no centro de um momento que ele sabe ser transitório. O que virá, com a chegada do filho, está repleto de dúvidas, já que naquele instante de sua vida, tudo parece suspenso. Enquanto a mulher se faz provedora para que possa tentar ser escritor com algum legado literário, sobrevive das expectativas de ainda não concretizar nenhum de seus projetos, de desconfiar de que desejos não passam de ilusões. O filho que chega, o faz lembrar da ascendência, ele que permanece ao abrigo da figura do pai. Ao descobrir o filho, portador de síndrome de Down, o que se mostrava transitório, se faz definitivo. O tempo não é mais matéria ficcional, se torna movimento contínuo, com conquistas difíceis e êxitos restritos, já que há uma manipulação de seu domínio, à partida. Lutar contra a sua inexorabilidade, é inútil. Assassiná-lo com a inconsciência, é atraente. Negá-lo como escudo social, é dissimulação. Viver o que o tempo exige, leva-o a se construir como indivíduo, a se reconhecer como pai. A se fazer um homem definitivo. O percurso de uma paternidade em tempo emocional, matéria pulsante do livro O Filho Eterno, de Cristovão Tezza, adaptado como monólogo por Bruno Lara Resende, é transcrita para o palco com igual força narrativa que o autor imprimiu a seu romance. No teatro, assim como no livro, as duas vozes do personagem, a que conta e a que vive, se confundem na descida progressiva daquele que descobre em si o filho, à princípio, o possível, ao longo da sua interiorização, o amado. A encenação de Daniel Herz trata os vários instantes de dor, angustia, desamparo, humor, tristeza, melancolia com tonalidades cuidadosas para cada uma dessas emocionalidades. Sem buscar o dramatismo, que o original não contém, e distante do sentimentalismo, que o tema pode vir a provocar, o diretor atinge a emoção pela forma como traduz, em despojada linguagem e simplicidade de recursos cênicos, a intensidade interior que emana da arquitetura vivencial de um pai, refletida pelas trincas do espelho filial. A cenografia sem adereços de Aurora dos Campos – painel ao fundo, quase indistinto e duas cadeiras -, é cuidadosamente iluminada por Aurélio de Simoni, um verdadeiro coautor nesta montagem. Charles Fricks confirma, em personagem tão abstratamente real, que se o monólogo não encontrasse adaptação à altura do original, e um diretor com segurança para conduzi-lo com sobriedade, poderia resvalar por truques e muletas de atuação. Fricks, em dosagem refinada dos meios interpretativos, sem recorrer a qualquer clímax e outras bravatas dramáticas, destila apenas os filtros das transformações afetivas por que passa de pai provisório a pai definitivo.        


Crítica/ Rosa

Lembranças pelos caminhos da Terra Prometida
Uma senhora, de cabelos brancos e forte sotaque, acumulados ao longo da vida, iniciada numa remota aldeia da Ucrânia, é acossada por sucessivas perseguições, guerras, perdas familiares, reconquistas, sobrevivência. Tudo sob a égide da violência que conduziu os judeus da Europa a tentar escapar da implacável agressão que marcou sua história no século XX. E que se estende às vivências de fim da vida, como espectadora participante da questão isralense-palestiniana dos dias atuais. O texto do americano Martin Sherman, o mesmo de Bent, acompanha o luto desta mulher pelo que deixou pelo caminho e pelas seguidas fugas à intolerância, na procura da Terra Pometida, que como indivíduo e povo esteve sempre tentando alcançar. Nesta passagem de uma existência, que se confunde com a cultura e história judaicas, o monólogo de Sherman é uma oportunidade para que uma atriz demonstre suas possibilidades interpretativas. O texto generoso em sua carga verbal, afinal perpassa acontecimentos das primeiras décadas do século passado até a do século atual, oferece neste jorro de palavras a possibilidade de projetá-lo com a minudência das lembranças e a intensidade das mudanças vividas pela personagem. A diretora Ana Paz se torna invisível na cena, deixando à atriz o papel definitivo de elaborar a idosa, com os recursos disponíveis da atriz. Essa discreta participação, é a prova do eficiente trabalho da diretora diante de um monólogo, que além de seu caráter psicológico, abrange realidades políticas e culturais mais abrangentes. A camerística encenação, tem ainda no cenário de Hélio Eichbauer, com sua discreta exposição de objetos  e símbolos, e na iluminação sutil de Paulo Cesar Medeiros, os eficientes complementos da montagem em cartaz no Teatro do Leblon. Débora Olivieri, absoluta e íntegra no palco, se reveste da mulher judia com detalhes que transformam a personagem em verdadeira feixe memorialístico. Num trabalho de composição, elaborado em mínimos matizes, do desenho físico ao sotaque, Débora Oiliviei costura atuação minuciosa, mas acima de tudo, sincera.    


O Que Há (de melhor) Para Ver

Crônica da Casa AssassinadaNesta saga de danações, adaptada com a mesma densidade narrativa do romance de Lúcio Cardoso, o diretor Gabriel Villela revigora a sua imagística mineiro-mística com cenário arrebatador na reprodução de portal de igreja barroca e figurinos que envolvem os personagens em lençóis-mortalhas. Montagem de beleza rascante, tem elenco que se harmoniza com vigor a esse culto à putrefação do prazer. Teatro Maison de France.

Um Violinista no Telhado – Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma  aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.

                                              macksenr@gmail.com