Dramaturgia original e adaptada
Crítica/ Diários do Paraíso
Dois tempos de um personagem com lembranças amazônicas |
Caio de Andrade, autor de Diários do Paraíso, desenvolve sua escrita dramatúrgica em torno da vida brasileira em manifestações relacionadas a fatos históricos, personalidades várias e uma certa vida interiorana brasileira. Seus textos – Os Olhos Verdes do Ciúme, Deserto Iluminado, e Geringonça – ressoam esse mundo passado. Na montagem, em cartaz no Teatro do Leblon, não é muito diferente. Reúne um núcleo de personagens, que emigra dos Estados Unidos para a Amazônia, nos anos 30, e um deles, na idade madura, relembra a aventura da transposição da efervescência de Nova Iorque para os choques do contato com a floresta. A vida antes da chegada, os desajustes da aclimatação e a realidade das lembranças se misturam em simultaneidade temporal. Mas a história não absorve as suas próprias condicionantes, incapaz de criar atmosfera que, efetivamente, envolva as diversas culturas (a judaico-americana e em menor escala o imaginário amazônico). Mas o maior problema se revela na direção de Caio de Andrade. Com cenário de Sérgio Marimba que esboça um espetáculo que não acontece, as atrizes Fernanda Thuran, Klaís Bicalho e Monique Deboutteville se revelam um tanto aquém das suas já frágeis personagens. Os atores Jaime Leibovitch e Ray Lucas, este se ajustando fisicamente ao personagem, desempenham um tanto melhor os dois tempos de um mesmo personagem.
Crítica/ Lição N° 18 – Romeu e Julieta
Figurinos desiguais entre tempos de criação |
Doc Comparato pertence a geração de dramaturgos que procura a permanência da sua escrita e a construção de uma obra. Cada texto tenta fixar as possibilidades de transcendência da sua vigência no tempo, para em conjunto formar reflexão pessoal sobre o mundo e a época em que vivem. Na dramaturgia de Comparato – Nostradamus, Michelangelo, Círculo de Luzes – essas ambições aparecem como busca em personagens históricos e no passado formas de ver a existência. É o que, de certa maneira, se repete em Lição N° 18 – Romeu e Julieta, em cena no Teatro Poeira. Para tanto, recorre a referência inspiradora de Shakespeare para escrever a tragédia do casal de Verona em paralelo ao roubo da seiva criativa de escritor em crise. A narrativa avança entre esses pólos, com o desfecho de Romeu e Julieta coincidindo com a morte de qualquer esperança do autor de atingir a posteridade. Como no desencontro dos jovens, condenados pelo destino fortuito, o dramaturgo enterra à luz de velas o seu fúnebre fracasso. Neste réquiem de uma carreira frustrada, Doc Comparato alterna a dupla história, pedindo emprestado, sem muita convicção, a trama de Shakespeare, mas o que o texto projeta de mais instigante é o declínio da ímpeto da criação. Acrescente-se a muleta dramática do casal, uma certa desordem e indefinição dos meios cênicos, que revelam os desequilíbrios e truques, quase clichês, da narrativa. A montagem de Lucas Marcier não contornou os problemas, ampliou-os. Não há adequação de humor à temperatura hesitante do dramático, ao ponto de o quarteto de atores – Bel Garcia, Thierry Tremouroux, Bianca Comparato e Fabrício Belsoff – se dispersar em interpretações desiguais, com momentos explosivamente postiços. Parte do descompasso dessa encenação, que começa pela autoria, passa pela direção e atinge o elenco, recai sobre a estranha concepção do figurino, assinado por Rita Comparato.
Crítica/ Bartleby, O Escriturário
Indefinição de padrão cênico cria híbrido burocrático |
A origem literária não é restritiva para a adaptação para o palco de romances, contos e poesia. Para atingir a expressão cênica é necessário que a adequação à linguagem teatral estabeleça correspondência, mais ao espírito do original, do que qualquer forma escolhida para trazê-la à cena. Bartleby, transcrição da narrativa de Herman Melville, que pode ser vista na Casa de Cultura Laura Alvim, é fiel na medida em que se aproxima no plano da linguagem do meio inspirador. Expositiva, com um narrador que descreve a progressão da negativa como impulso para a desorganização da vivência burocrática, se conserva na montagem de João Batista, que assina adaptação e direção. Sem se desviar do original - e esta não é uma questão de sustentar a fidelidade de maneira mimética -, Batista inscreve em crescente dramático a repetida frase com que o personagem título desestrutura o que está organizado, utilizando-se da reiteração para desarrumar certa ordem social. Pelo não, Bartleby aponta as fraturas do sim. À ordem, segue-se a desordem. Da pretensa sanidade, a possível loucura. Do impulso, à imobilidade. Essa ambiência pode até estar, em fragmentos, na encenação, o que não é suficiente para estabelecer padrão estilístico definido. O personagem é recebido pela platéia como algo risível, os colegas de escritório como bonecos de uma pantomima, a rejeição de Bartleby da realidade como uma bizarrice de comportamento. O diretor até tenta uma intervenção que desenhe algum contorno, mas resta somente um híbrido do literário, e um esfacelamento do cênico. Cláudio Gabriel (com intensidade interpretativa que parece impelida pela necessidade do ator se destacar), Eduardo Rieche (levando a mecanização física ao robotismo) e Rafael Leal (um pouco saltitante demais) são os contrapontos para a rotineira narração de Duda Mamberti e para a figura esboçada fisicamente por Gustavo Falcão. O que este algo frustrado espetáculo tem de mais inventivo, está na cenografia geométrica de Dóris Rollemberg.
Crítica/ Hell
Dramatização chique |
Procurar na estante, material para levar ao palco, algumas vezes é apenas um movimento de transporte. Hell, que ocupa o palco do Teatro dos Quatro, foi retirado do livro da francesa Lolita Pille, que faz da personagem, uma burguesa cheia de excessos consumistas (de roupas, drogas e dinheiro), versão neo-dramática de Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída, livro-depoimento, best-seller na década de 80. A mea-culpa da moçoila que se mostra consciente da sua inconsciência, que critica a sua origem e compulsão a tudo que conduza à banalidade e à vacuidade de cotidiano de festas, sexo e aditivos químicos variados, é de um moralismo de fachada e falso invólucro de romance de geração. Ao que se pode acrescentar pitadas do politicamente incorreto e algum romantismo fora de lugar e de tempo. Se o material literário é inconsistente, a adaptação ao teatro não é menos. Todo narrado, com as cenas seccionadas como capítulos, os adaptadores Marco Antonio Braz e Hector Babenco (também diretor) demonstram ser pouco sensíveis às fontes vivas do palco. Acentuam-se os problemas desta versão, nos cortes que, eventualmente, poderiam funcionar melhor numa projeção dramática audiovisual, mas que, positivamente, sucumbem numa montagem teatral. O acender o apagar da iluminação, o tira e bota do figurino, os black-outs alongados que impedem que o espetáculo ganhe ritmo, enquadram Hell no limbo das aparências e da superficialidade de imagens. Paulo Azevedo tem discreta e apagada presença, ao contrário de Bárbara Paz, que exibindo roupas grifadas e uma dramaticidade chique, imprime tensão muito marcada, que acaba por torná-la exteriorizada.
Cenas Curtas
A presença do cenógrafo paulista Flávio Império (1935-1985) na vida teatral da cidade está registrada na mostra do Itaú Cultural. Além de sua produção de cenários, os trabalhos de arquitetura e artes plásticas, ao lado de exibição de documentários também podem ser vistos na sede do Itaú, na Avenida Paulista. Para quem quiser visitar a exposição à distância, basta acessar www.itaucultural.org.br.
Moacir Chaves, que no início do ano lançou com Labirinto, seleção de textos de Qorpo Santo, a Alfândega 88 Cia. de Teatro, e dirigiu A Lua Vem da Ásia, com Chico Diaz, volta aos palcos cariocas com a estréia de Retorno ao Deserto, do francês Bernard-Marie Koltès, na Casa de Cultura Laura Alvim. Para o segundo semestre, com o elenco da Alfândega, Chaves encena Negra Felicidade.
João Fonseca é outro diretor com ativa produção nestes primeiros seis meses do ano. Depois de R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida, estréia duas novas montagens. No Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil assina versão de Cyrano de Bergerac, e no Espaço Sérgio Porto, O Gato Branco, texto de Jô Bilac. Até o final da temporada, João planeja outras estréias. A próxima, um musical sobre Ary Barroso.
O Que Há (de melhor) Para Ver
Harmonioso elenco canta aldeia russa |
Um Violinista No Telhado - Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos, e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.
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