domingo, 12 de junho de 2011

24ª Semana da Temporada 2011


Contracena de autores brasileiros


Crítica/ Crônica da Casa Assassinada

Ritual místico-mineiro de Gabriel Villela na reafirmação da sua estética
Lúcio Cardoso, quando escreveu a crônica de família mineira, visitada por alguém que provoca a circulação de recônditos suores interiores, identificando através de subjetividade afogada na repressão dos desejos, imprimiu atmosfera épica-trágica-melodramática à narrativa em planos temporais alternados e formas descritivas variadas. Para capturar a introjeção de pulsões pecaminosas, a declinante exposição da caverna de almas atormentadas por paixões interditas, Lúcio Cardoso desatou os laços familiares profundos, construídos por religiosidade asfixiante e desvãos de sentimentos ensombrados pelo impulso das sanções. O que está escondido pela superfície do compromisso social, desmorona com a vinda de uma mulher que ocupa todos os cômodos deste escombro familiar, numa ruína em que nada escapa à decomposição, em que “a infelicidade é necessária”, e que os personagens se referem a si como quem apodrece. Neste  “enredo de enigmas”, cada um parece criar a sua própria existência e onde “ não há triunfo sem pecado”. Na saga de danações, a transgressão se afirma como culpa e pecado, fincada em interioridade convulsionada por  religiosidade carnal. É o que o romance de Lúcio Cardoso condensa de maneiras diversas – diários, cartas, desabafos – em caudaloso debruçar sobre almas que se confessam em culpa, vividas através de suas de ressonâncias bíblicas. A adaptação de Dib Carneiro Neto destaca em afinada síntese os pontos atritantes  deste rito de descida aos infernos, alcançando  síntese dramática que espelha a atmosfera do romance, se apropriando da sua densidade narrativa. A transposição para o palco se debruça, a tal ponto, na obra de Cardoso, que não é preciso mais de que uma hora para que o espetáculo, em cartaz no Teatro Maison de France, se realize. Gabriel Villela, dispondo deste material dramatúrgico e no confortável exercício da sua imagística místico-mineira, inflou-o de imagens poderosas e de interpretação distanciada, duas das suas mais recorrentes obsessões de encenador. A visualidade, sempre impositiva e integrante indissociável da linguagem cênica de Villela, e que algumas vezes em suas montagens devoram os demais elementos, em Crônica da Casa Assassinada se revigora. Arrebatador, e belamente sufocante, o cenário de Márcio Vinícius (um portal de igreja barroca mineira, que se transforma em oratório, e uma extensa mesa, cama para tantos desejos, e altar  para ceia familiar e sexual) e os figurinos de Gabriel Villela (símbolos católicos de rituais de vida - um Cristo jardineiro - e de morte -  panejamento que se torna, ao mesmo tempo, lençol e mortalha) – ,ao lado da trilha sonora (óperas, boleros, cânticos) e da iluminação de Domingos Quintanilha, que tornam a montagem de Villela um encontro depurado do diretor com sua estética. Além desta beleza rascante, a atuação do elenco – Xuxa Lopes, Cacá Toledo, Hélio Souto Jr., Letícia Teixeira, Marco Furlan, Maria do Carmo Soares, Pedro Henrique Moutinho, Rogério Romera e Sérgio Rufino – se harmoniza tão absolutamente com esse culto à putrefação do prazer.        
 

Crítica/ Gimba – Presidente dos Valentes

Silvio Guindane e Antonio Pitanga em busca do realismo esquemático
Esse texto de Gianfrancesco Guarnieri é de 1959, escrito logo depois da explosão de Eles Não Usam Black-Tie, que prenunciava, então, as melhores qualidades do autor. Mas ao contrário da peça de estréia de Guarnieri como dramaturgo, Gimba já apresentava problemas, ainda que continuasse na tendência do autor pelo estabelecimento  de uma dramaturgia política, que pretendia ser interveniente na consciência do espectador sobre  realidade social injusta. Havia muito de maniqueísmo na forma como encenar essa indignação e de como instigar reações que, ingenuamente, pudessem provocar mudanças. A favela por onde circulam personagens estereotipados está povoada pelo malandro de bom coração, pela mulher que se prostitui para sobreviver, pela macumbeira que explora o desespero dos miseráveis, pela polícia corrupta e pela inevitabilidade do destino dos jovens, incapazes de escapar do círculo perverso da marginalidade. O teatro e a época em que estreou o Presidente dos Valentes, apontavam para transformações das quais o texto pretendia ser uma das vertentes. Mas, 50 anos depois, o teatro e a favela são outros, e a remontagem de Gimba, como pode ser vista no Teatro Sesc-Ginástico parece, no mínimo, anacronismo. As motivações que levaram Guarnieiri a escrever esse libelo podem até mesmo se manter inalteradas, mas o peso de injustiças sociais e os meios de combatê-las não encontram nos palcos o melhor veículo para debate e confronto. O diretor Caíque Botkay compreendeu a extensão dos limites do texto e registrou a passagem do tempo, tanto que, ao lado de Paulo Lins, atualizou a narrativa, em especial no segundo ato. Mas a intenção apenas acentuou os problemas do original e ampliou o descompasso do tempo, deixando visível a fragilidade no traço carregado dos tipos e na inconsistência e pulverização melodramática da trama. Indefinido como musical – os números de dança do início e algumas outras coreografias ao longo do espetáculo, não o caracterizam com exemplar do gênero -, com cenário muito pouco inventivo – transmite visualidade que intenta fixar elementos das comunidades, mas sem qualquer recriação das imagens -, e interpretações irregulares – Silvio Guindane, Cintia Rosa, Paulo Mathias Jr. e Antonio Pitanga procuram dar alguma naturalidade a personagens de realismo esquemático -, a esta remontagem de Gimba resta o registro de dramaturgia e de época condenadas aos anais da história.                 


Crítica/ O Gato Branco

Compilação policial no rastro do assassino original
Jô Bilac, autor de O Gato Branco tem indisfarçável vocação para se apropriar de gêneros – do estilo narrativo de Nelson Rodrigues (Cachorro) ao cinema (Rebu) – que transportou de maneira mais bem sucedida em  Savana Glacial, de que em outras com menor eficiência. Neste novo texto, em cena no Espaço Cultural Sérgio Porto, Bilac foi à fonte das narrativas policiais e com a habilidade de leitor voraz de tais tramas, reproduziu-as e condensou-as para o palco. Assim, este Gato ganha sete vidas inspiradas em Agatha Christie, em roteiros de filmes policiais, que nos fazem relembrar Os Sete Suspeitos, Assassinato por Morte e Convite à Morte, indo buscar o fôlego dramático nessas referências, quase citações diretas, nesta compilação de tantas e tão conotadas tramas. Para os fanáticos por enredos policiais, o roteiro de vários casos já lidos, evidencia a falta originalidade. Para os que se interessam pelo gênero como leitura de saguão de aeroporto, parecerá igualmente repetitivo. Não importa muito que os diálogos também reproduzam o estilo do que se encontra nos romances e filmes, muito menos que a arquitetura da trama conduza para a possibilidade de mais de um final, e que a dúvida seja o desfecho previsível. Será que a platéia ficará mobilizada para descobrir quem matou e por que? João Fonseca armou esse material requentado de maneira algo jocosa, como um filme no qual o reward  é acionado como num retrocesso de imagens. A montagem, dividida em inúteis dois atos, insiste em se explicar continuamente, acompanhando a reiteração dos acontecimentos. Num cenário de Nello Marese, que distribui planos alternados para desenhar um barco, com figurinos das atrizes um tanto desequilibrados de Mareu Nitschke e com luz de Daniela Sanchez e trilha sonora, como se espera para fixar supostos momentos de suspense, de André Aquino e João Bethencourt, O Gato Branco distribui os sete personagens por um elenco com desníveis interpretativos. Enquanto Camilo Bevilacqua tem atuação linear e Pablo Falcão consegue dar alguma veracidade ao michê postiçamente articulado, Paloma Duarte assume, com variantes irregulares de tom, a professora, e Luciana Magalhães não realiza, como parece pretender, a caricatura da mulher histérica. Bruno Ferrari e Fernanda Nobre se mostram algo apagados, e Leandro Almeida compromete com interpretação inexpressiva.                 


Cenas Curtas

A 43ª edição do Festival Internacional de Londrina, que se estende até o dia 26,  reúne 12 espetáculos internacionais e 35 nacionais, numa programação que traz alguns espetáculos cariocas (Devassa, Savanah Glacial, Tatyana, Antes da Coisa Toda Começar), de Curitiba (Antes do Fim), Porto Alegre (O Animal Agonizante), de Natal (Sua Incelença, Ricardo III) e de Belo Horizonte (Tio Vânia - Aos Que Vierem Depois de Nós). Entre os internacionais, se destacam as montagens de países do sul do continente: Argentina (Amar), Chile (Chef) e Uruguai (Cuestion de Princípios). Da China, a organização do Filo, a mostra mais continuamente duradoura do país), escolheu os marionetes do Yeung Faï (Hand Stories), e de Portugal, a adaptação teatral de filme de Ingmar Bergman (Persona). Parte da programação internacional do festival será apresentada em São Paulo e Brasília, através da Mostra Internacional de Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil. Este ano, a sede do Rio do CCBB ficou de fora. É pena.     

Com Um Violinista no Telhado, recém-estreado no Oi Casa Grande, Charles Möeller e Claudio Botelho já preparam as próximas produções. Em fase de ensaios, a comédia musical As Bruxas de Eastwick, baseada no romance de John Updike e no filme homônimo, estréia em agosto no Teatro Bradesco, em São Paulo. No elenco estão: Eduardo Galvão, Maria Clara Gueiros, Kacau Gomes, Renata Ricci, Fafy Siqueira, Renato Rabelo, André Torquato e Clara Verdier. Para outubro, no Rio e no Oi Casa Grande, a operosa dupla estréia Judy, O Fim do Arco-íris, musical biográfico sobre Judy Garland na fase declinante de sua carreira. No papel da atriz de o Mágico de Oz, Claudia Netto. 

No dia 29 serão conhecidos os vencedores do Prêmio de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, em festa no Teatro Municipal. Ao todo são 54 os indicados em 18 categorias. No setor teatral, os destaques são o grupo Contadores de Estórias, de Paraty, dirigido por Marcos e Rachel Ribas, fundado há 40 anos; a Cia. Nossa Senhora do Teatro, de São João de Meriti, que foi criada em 2003, a partir da oficina de leitura dramatizada, coordenada por Fernanda Montenegro, e que atua na área de teatro-educação; e Pedro Brício, autor, ator e diretor, que na temporada passada teve dois de seus textos encenados: A Comédia Russa e Me Salve, O Musical.   

Em temporada portuguesa – Lisboa e Porto – o Centro de Pesquisa Teatral do Sesc paulista, dirigido por Antunes Filho, apresenta Policarpo Quaresma e Lamartine. A adaptação teatral do romance de Lima Barreto, que Antunes recriou com arrebatado tempero de ufanismo, que tão bem traduz o nacionalismo cego do personagem, revisita as questões deste país em permanente fricção com a sua autonegação identitária. Já Lamartine, com direção de Emerson Danesi, percorre a obra musical do compositor, trazendo em outro plano expressivo e através de Lalá, as referências à nacionalidade. Ambas as montagens, que estão sendo vistas em Portugal, permanecem inéditas no Rio.   


O Que Há (de melhor) Para Ver

Um Violinista No Telhado - Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos, e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.

                                        macksenr@gmail.com