Crítica/ Ponto de Fuga
Palavras em busca da grandeza dos sentimentos |
Rodrigo Nogueira, autor e diretor de Ponto de Fuga, em cartaz no Teatro do Planetário, que foi considerado o melhor auutor da temporada de 2010 pelos jurados do Prêmio APTR, trata seus textos, sejam pessoais ou de encomenda, como Play, essencialmente como uma questão de linguagem. Ao explorar formas narrativas, ou modos de “desarrumá-las, Rodrigo integra cotidiano geracional a uma dramaturgia que procura se fazer como cena, explicar-se na sua própria feitura no palco. Essa apropriação dos meios expressivos que o teatro fornece, se transformam em material, eles mesmos, na seiva da ação. Em Ponto de Fuga não é diferente. Uma vez mais, e ainda com maior segurança, estabelece diálogo entre dois núcleos dramáticos. Um, que projeta prosaico almoço dominical de casal com uma amiga, e outro, com os conflitos de personagem-músico. Os liames que se criam como correspondência entre a realidade e a ficção, resultam na área exploratória em que navega o autor. O som ruidoso que compõe a sinfonia cerebral que atormenta a mulher, participante do almoço ao lado do marido e da amiga, nada mais é do que a ressonância das angústias do músico-personagem, que mergulha em sono inesgotável para que possa sonhar. O som, portanto, é muito mais do que música.É a possibilidade de sentir a vida através do onírico, de filtrá-la pela palavra teatral. Na procura da língua que aproxime os dois mundos, a memória dos provérbios de uma avó, se confundem com as eventuais semelhanças, de origem e de sonoridade, do português com o caribenho papiamento. Na música, com suas variações, da partida do silêncio do que falta ainda compor à execução nunca terminada num sarau pianístico, são perseguidos os pontos de fuga, o da chegada, e o do final, que se conclui no teatro. Espectadora (“eu só sinto no palco”) e personagem (“eu só ouço no sonho”) terminam a partitura vital com o desalento de que as palavras não alcançam a grandeza dos sentimentos ou da falta deles. Numa montagem despojada, Rodrigo Nogueira conduz o elenco com a justeza com que cada ator reveste seu personagem. Lilian Rovaris imprime humor ácido às pausas bem sacadas. Luisa Friese, inquietante como a silenciosa empregada, se expande na falante irmã. Lucas Gouvêa cria a ponte identitária entre as atitudes ordinárias do marido e do garoto de programa. Michel Blois projeta o escapismo da existência paralela do compositor. Cristina Flores marca com intensidade contida e tensão interiorizada
Crítica/ As Regras da Arte de Bem Viver na Sociedade Moderna
Aula de platitudes hipócritas |
Este monólogo de Jean-Luc Lagarce, escrito em 1994, um ano antes de sua morte, é espelho da dramaturgia deste autor francês, pela prodigalidade na manipulação da palavra e na apropriação de referências literárias da cultura francesa. Em As Regras da Arte de Bem Viver na Sociedade Moderna, Lagarce vai buscar numa publicação do final do século XIX, com o mesmo título de sua peça, reproduzir a imagem atualizada de obscura baronesa que, no original, ditava conselhos sobre a arte da convivência social. Em irônica transposição Lagarce traduz absurdas regras desta não menos improvável conselheira de boas maneiras sobre a arte de viver, do parto à sepultura. Desenrola platitudes sobre a existência, na qual a superficialidade da aparência assume valor absoluto como atitude. Os vários ritos sociais que determinam a coletânea de gestos pré-estabelecidos, independentes das reações, verdadeiramente governadas pelos sentimentos, são expostos pelo ridículo das prescrições que aconselha. Nas entrelinhas desse relatório de atos hipócritas está contida a certeza “de que não se pode iludir as palavras”. É neste desvão que Lagarce expõe o patético que conduz a conferencista em sua preleção. O diretor Miguel Vellinho lança a atriz num espaço branco, que vagamente lembra um estúdio fotográico, dominado por um único objeto, uma cadeira estilosa. Como a área do bar do Espaço Sesc é pequena, os poucos espectadores ficam, intimamente, próximos da intérprete, que deste modo estabelece relação de cumplicidade, ainda que só parcialmente projetada. Lorena da Silva compõe com critério a orientadora de comportamento, transmitindo a dubiedade intencional de seus conselhos, ainda que a atriz se mostre um tanto rígida em interpretação que poderia dar à personagem, talvez, um tom mais dubiamente cruel.
Cenas Curtas
Depois de quase sete anos fechado, e praticamente em ruínas, o tradicional Teatro Dulcina, sede por mais de 50 anos da Cia. Dulcina-Odilon, volta a fazer parte do circuito teatral da cidade. Reformado pela Funarte, reabre dia 2 de agosto, iniciando programação inaugural que se estende até a primeira quinzena de setembro. Com a participação de Nathalia Timberg, Bibi Ferreira e Marília Pêra, a festa de abertura é uma homenagem à patrona da casa de espetáculos da Rua Alcindo Guanabara, na Cinelândia, Dulcina de Moraes. Ao longo do mês se apresentarão espetáculos como Bibi in Concert, Viver em Tempos Mortos, com Fernanda Montenegro, Uma Festa Privilegiada, que comemora os 20 anos do grupo F...Privilegiados, encerrando-se, de 5 a 9 de setembro, com Flauta Mágica, montagem de Peter Brook.
O Teatro Caleidoscópio e a Editora Dulcina, ambos de Brasília, anunciam dois lançamento que seguem a linha editorial de divulgação e pesquisa em artes cênicas. Avec Grotowski, de Peter Brook, reúne artigos, cartas, entrevistas e apresentações que revelam o convívio do diretor inglês com o diretor e teórico polonês Jerzy Grotowski, e que chegará às livrarias no final de agosto. Para dezembro está previsto Para Um Teatro Pobre, de Grotowski, fora de catálogo há décadas, um clássico da teoria teatral do século XX. Na sua estante, as editoras registram títulos como A Canoa de Papel – Tratado de Antropologia Teatral, de Eugenio Barba, diretor do Odin Teatret; Pedras D’Água – Bloco de Notas de Uma Atriz do Odin Teatret, de Julia Varley, e Teatro: Solidão, Ofício, Revolta, também de Eugenio Barba.
Na sequência de programas de revitalização da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), se inclui o Fórum de Dramaturgia, que se realizará, a partir de 26 de julho, na sua sede, sempre das 15h às 17h. Com a participação de autores, diretores, ensaístas e roteiristas, entre eles, Naum Alves de Souza, Alcione Araújo, Tânia Brandão, Moacyr Goes, Aderbal Freire-Filho, Renata Mizrahi e Henrique Tavares, serão expostas questões em torno da criação dramatúrgica. No dia 26, A Nova SBAT Debate: Profissão Autor; dia 27, Dramaturgia e Encenação: Discutindo a Relação; 28/7, Ibsen, Tchecov, Pirandello, Brecht, Beckett: O Caminho de Volta a Shakespeare e ao Teatro Ilimitado; 2/8, Como e Porque Uma Casa de 100 anos, Reformada, Pode Ser o Melhor Lugar Para Morar.
Está em circulação pela Europa a produção do Young Vic, de Londres, em parceria com o Thèâtre de la Ville, de Paris, I Am The Wind (Eu Sou o Vento), a primeira encenação do diretor francês Patrice Chéreau em inglês. Neste texto, o autor norueguês Jon Fosse confronta dois personagens que se lançam numa odisséia através do oceano, em irônico e poético confronto de sentimentos, criando fábula suicida sobre a vida em nosso tempo. Chéreau, que já esteve no Brasil, mas apenas em Porto Alegre e São Paulo, dirigiu na temporada parisiense de 2010, outro texto de Fosse Rêve d’Automme (Sonho de Outono). É mais do que tempo do Rio conhecer a qualidade deste diretor. I Am The Wind parece ser, pelas críticas publicadas na Inglaterra, mais do que somente uma ótima realizacão, mas uma obra de maturidade criativa.
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