Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (12/7/2015)
Crítica/ “Laio
& Crísipo”
A relação homoafetiva de Laio, pai não
reconhecido por Édipo, com o jovem Crísipo, a quem rapta e leva a Tebas ao
encontro de Jocasta, de quem está prometido, acaba por constituir um triângulo
amoroso. O destino futuro, que leva mortes à ascendência e cegueira à descendência, é entrevisto no
texto de Pedro Kosovski, que se apropria de dois personagens trágicos
conhecidos por sua sina, e de outro, apenas como referência perdida em distâncias
milenares. No transporte para o mundo contemporâneo, o autor traz o lastro da
ação inescapável da origem grega, para a urgência atual dos atos físicos.
Ambientado em tripla cabine de peep-show,
semelhante às três portas do espaço cênico clássico, o desejo se manifesta em estado
bruto, sem o domínio das sanções mitológicas e ameaças de vaticínios perturbadores. O sexo
é vivido como pulsão e disputa pelo poder dos corpos, celebração do momento que
ignora o que estava por vir. É neste vácuo do desconhecido que “Laio &
Crísipo” distorce os tempos. Traz para
hoje personagens que não sabiam o que os aconteceria depois. E reserva para o
único de quem se sabe pouco, o papel de ser o condutor do presente. Essa
engenharia narrativa, bem articulada por Pedro Kosovski, conciliou épocas e misturou
impulsos, com bom resultado na projeção da ancestralidade na vida corrente de
hoje. A direção de Marcos André Nunes estabelece a convergência temporal,
aproveitando as sugestões do texto para ilustrar a atração entre a palavra sedutora e as
respostas do corpo. A montagem ressalta em lutas sensualizadas, que se revelam verdadeiros
balés de fascínio mútuo, a vertigem da paixão sem o comando e a sabedoria dos
deuses. O diretor apenas não resolve algumas correspondências
grego-contemporâneas, como nas pequenas concessões ao humor, mais evidente na
brincadeira com o drinque no abacaxi. A
cenografia de Aurora dos Campos transposta o inferninho de beira de estrada ao
plano da arquitetura da cena trágica, e a direção de movimento de Marcia Rubin
é decisiva no desenho geral. A música e as canções originais de Felipe Storino
têm participação efetiva, e a iluminação de Renato Machado colabora no
adensamento da atmosfera cênica. Carolina Ferman é uma Jocasta que ainda ignora
seu destino e está exibindo seu corpo numa espelunca. A atriz se apoia na
composição física para transmitir a realidade da vida atual da futura rainha da
tragédia de “Édipo. Eron Cordeiro e Ravel Andrade, marcados pelo desafio de explorar o os corpos como
instrumento do embate amoroso, desempenham a contenda com força dramática e fúria
poética.