domingo, 5 de julho de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (5/7/2015)

Crítica/ “Sexo neutro”
Expressão da sexualidade em via dupla

O neutro a que se refere o título é a zona de identificação que unifica o feminino e o masculino num terceiro gênero, classificável como expressão da sexualidade em via dupla. Os sentidos do sexo adquirem contornos que ultrapassam barreiras sociais para se manifestar em diálogo de sentimentos dúbios de ambos os gêneros. O autor e diretor João Cícero transita pela busca da identidade integradora, através  de significados que atribui aos conflitos de uma mulher que se corporifica em homem. No monólogo interiorizado de suas dúvidas, ela abandona o antigo corpo para tentar descobrir-se em outro físico, experiência que a conduz a múltiplas sensações que não excluem a condição anterior, mas assustam pelas possibilidades desconhecidas da atual. Márcia, agora Cléber, extirpa partes do corpo, sem abandonar  os impulsos da origem, procurando descobrir um ponto de inflexão do que se manifesta como contrários. A direção empresta um caráter reflexivo a montagem de poucos recursos cênicos, que se confunde com performance, e se valoriza pela atuação da dupla de atores. A contracena que se estabelece entre as identidades que exprimem uma única voz, partilhada por corpos diferentes, induz a um fluxo de pensamento, despregado de emoção e contraído dramaticamente. Dois microfones, o casal de torso nu e música incidental são os elementos visuais e sonoros que convergem para os atores em aparente frieza interpretativa. O texto encaminha as atuações para uma certa distância de apelos sentimentais ou  adesões solidárias. O esfriamento permite que a narrativa se encaminhe por emoções desconhecidas e pelo sexo vivido como subjetividade, desencarnado como ato. Em contrapartida a essa ambientação árida, a iluminação de Tomás Ribas e a trilha sonora de Dimitri BR e Alexandre Hoftv esquentam e apoiam a frontalidade com que os atores enfrentam o olhar da plateia. Marcelo Olinto desnuda, sem ambiguidades, as pressões da imagem masculina. Cristina Flores explora as incertezas de uma figura em transição.