Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (8/7/2015)
Crítica/ “Tribos”
Silêncios de uma família disfuncional |
Billy nasceu surdo numa família muito falante e emocionalmente
expansiva, e que se comunica através da linguagem labial. Os pais e os irmãos,
em constante discordância e ruidosas manifestações, gravitam em torno do rapaz
que ao encontrar a namorada, em início do processo de surdez, amplia a
comunicação com o mundo fora de casa. Em nove cenas, a inglesa Nina Raine situa
neste grupo familiar disfuncional, o desvendamento de um jogo afetivo por meio
de linguagem parcialmente adquirida, que ao se ampliar pela apropriação de
outra técnica (a língua dos sinais), cria metáfora de convivências silenciadas.
São quadros de difícil desenvolvimento cênico, comprometidos no desenho
dramático pela inconsistência de sua base realista e dispersão no tratamento da
trama. A autora ambiciona analisar a linguagem como ruído de comunicação em
drama psicológico de traços conflitantes. Grande parte da ação transcorre como registro do
comportamento dos membros da família nas suas intermináveis discussões e na
caracterização aligeirada de suas diferenças. Billy se faz mais presente,
depois da chegada da namorada Sílvia, na tentativa de aproximar relato clínico
de relação afetiva. Os contrastes entre o rapaz com deficiência auditiva e os
barulhentos pais e irmãos se desequilibram pelo peso atribuído a cada desses
núcleos de sonoridades excludentes. A direção de Ulysses Cruz acentua o
desnivelamento da construção do texto, reiterando os vácuos narrativos que o
formato de cenas numeradas provoca como quebra sequencial e perda de concentração.
A ausência de um ambiente de força emocional e carga reflexiva fica mais
evidente com a cenografia solta no palco, com áreas inexploradas e ocupação convencional.
As projeções ao fundo e as marcas dos atores um tanto frontais deixam margem
reduzida para que se atenue os descompassos dos diálogos e surja um efetivo cenário
humanizado por personagens menos caracterizados como estereotipias. Bruno
Fagundes, como Billy, demonstra a apropriação sólida de um trabalho vocal
depurado, que não se estende à composição corporal. Arieta Correa desempenha a
provocadora de ocasião com a mesma falta de identidade revelada pela opaca
Sylvia. Antonio Fagundes vive de maneira quase bonachona o chefe da família, aparentemente um crítico
ácido da dependência dos filhos, mas de autoridade pouco considerada pela prole.
O ator exercita sua veia de humor na aula de mandarim à distância. Eliete
Cigarini e Maíra Dvorek defendem personagens de restritas funções no entrecho.
Guilherme Magon exacerba a sua participação como o irmão que ouve vozes, que o leva
a destacar ainda mais as atitudes implausíveis do discutível personagem.