Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (29/4/2015)
Crítica/ Meu Saba
O caminho tortuoso do afeto e da paz |
Meu Saba é a transposição do livro Em Nome da Dor e da Esperança, de Noa Ben-Artzi-Pelossof, neta do
primeiro ministro de Israel Yitzhak Rabin, morto a tiros, em 1995, por um
radical contrário às negociações de paz com a Palestina. A ação se concentra entre
o percurso, físico e emocional, de Noa até o púlpito, de onde falará em
homenagem à memória do avô, e o tempo, real e interior, que relembra o
estadista e o afetuoso saba. A tensão
que se estabelece entre os acontecimentos que envolvem o político e as
lembranças do parente está no centro da adaptação ao monólogo pela atriz
Clarissa Kahane, a autora Evelyn Dizitzer e o diretor Daniel Herz. Há equilíbrio
narrativo dos dois planos que, em permanente contracena, transitam da aridez
espacial dos fatos à contraída emoção temporal, diante das quais Noa percorre
seu afeto, e desabafa sua indignação. Na voragem dos sentimentos em estado de
ebulição, os movimentos interiores são lentos e firmes, na certeza da necessidade
de paz, e na sobrevivência ao sofrimento da perda. A montagem de Daniel Herz
trata esse universo político-afetivo com extrema sensibilidade, traduzindo as
dualidades do texto, dissociando a unidade narrativa de tempo e espaço, a
partir do diálogo atritado entre ambos. Os dois momentos se contrapõem em
cortes nos passos da caminhada retilínea, e na edição da linearidade das
emoções. Herz articula as variantes dramáticas como uma trilha a seguir,
balanceada pelos absurdos da política e a irreconciliável racionalidade das
sensações, contrastando a jornada com juízo, o andar com entrave. A concepção
do diretor encontrou correspondência nos elementos visuais e sonoros que
ambientam de modo vigoroso a encenação. A cenografia de Bia Junqueira constrói
uma via de tijolos vazados que conduz, numa distância terrosa e desértica até
ao palanque de onde a personagem fala em simbólico microfone. A luz de Aurélio
Di Simoni é mais do que acessória no percurso elaborado pelo diretor e
cenógrafa, mas participante ativa na efetiva criação de linguagem integrada e coesa.
A música de Antonio Saraiva adquire efeito dramático de uma partitura composta
no ritmo da sonoridade de intervenção. As qualidades técnicas e a força da
palavra neste monólogo de impacto emocional e ressonância reflexiva, se reduz,
contraditoriamente, pela presença da única intérprete. Clarissa Kahane, quem se
empenhou para a adaptação do livro e se comprometeu com adesão irrestrita ao
projeto, transmite esse compromisso com inegável sinceridade, mas sem os meios
interpretativos que alcancem sua ambição. As exigências de transmitir a dor da
neta e a desesperança da judia (“ele foi assassinado por um dos nossos”) inibem
a atriz, presa às marcas e inflexível nas passagens de tempo e espaço.