Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (15/4/2015)
Crítica/ Infância,
Tiros e Plumas
Jô Bilac, autor desta comédia com crianças,
estampidos e plumas metafóricas, empreende viagem que parte de um Brasil cheio
de contradições e vícios, que pretende chegar ao mundo fantasiosamente perfeito
de Disney. Já no aeroporto, os passageiros anunciam, com suas atitudes
estranhas e bagagens suspeitas, as turbulências que viverão durante o voo. Menino
de 4 anos, com forte sotaque espanhol e ainda usando chupeta, carrega droga na
sua mochila, enquanto garoto de 9, assiste a disputa por sua guarda pelos pais
neuróticos. O trio infantil fica completo com a menina de 8, filha de político
e candidata a miss mirim. E mais o pessoal de bordo e um segurança partem em
viagem delirante em que tiros sem mira abatem a possível crítica aos
passageiros da nave louca brasileira. É possível perceber as intenções de Bilac
em reunir nesse grupo desgarrado de atitudes éticas, o reflexo de esgarçamento
social que assume proporções ilimitadas. O problema está na intensidade com que
dosa humor e ação. Na narrativa predomina o desenvolvimento das cenas como
sequência de situações, em detrimento dos comentários que insinua inicialmente. A força
do humor se perde, quando não, estaciona no plano do engraçadinho, sem atingir
o nonsense e o tom crítico que a
trama, potencialmente, poderia oferecer. A sucessão de clichês humorísticos e o
descontrole narrativo conduzem muito mais o texto para as plumas do que para os
demais substantivos do título. Inez Viana enfatizou as situações como o
elemento estrutural da sua direção ágil, recorrendo a um formalismo visual que se
realiza na cenografia e se estende à composição em quadro do elenco. A
movimentação em grupo dos atores estabelece efeito seriado, com as figuras
enfileiradas ou reunidas em corpo único, ocupando o espaço cênico num balé
geométrico. O cenário de Mina Quental, com biombos móveis em vaga referência
aos painéis de anúncio de voos, reforça a imagem de seriação e conjuga
funcionalidade e ambientação. A iluminação de Renato Machado e Ana Luzia de
Simoni está plenamente ajustada à concepção do cenário. A direção de movimento
de Dani Amorim assume papel determinante na montagem, e a direção musical de
Marcelo Alonso Neves é destaque pela sua precisa intervenção. O figurino de
Felipe Braga aposta no previsível. Jefferson Scroeder investe no caricatural
para o menino inocente que transporta
droga. Luis Antonio Fortes demonstra presença tímida como o garotinho em
disputa pelos pais. Carolina Pismel, a pequena miss, se transforma numa máquina
vocal, disparando absurdos, na melhor atuação em cena. Debora Lamm convence como
a mãe histérica. Leonardo Brício se retrai como o médico. O segurança de Iano
Salomão e a equipe de bordo – Juliane Bondini, Zé Wendell e Júnior Dantas – têm
interpretações menos regulares.