A cena do exercício de provocação |
Antonio Abujamra exercia seu humor caustico e
provocativo em programa de televisão, nas entrevistas e, invariavelmente, no
teatro. É dele a irreverente denominação do jovem grupo que comandou por anos e
que recebeu o incitante aposto de Os Fodidos Privilegiados. Essa marca de
personagem construído e bufão verbal, que destrava preconceitos e afrontava os
bem-pensantes, ofuscava sua persona artística, ele que vivenciou experiências
com Roger Planchon e o Théâtre National Populaire, estagiou no Berliner
Ensemble, absorvendo com seu ceticismo de inveterado jogador, teorias que viria
aplicar ao longo de seis décadas de carreira. O repertório de diretor, desde os
anos 1960, conjugava a valorização da dramaturgia com rupturas formais no
acabamento. Circulando nas suas primeiras investidas por autores identificados
politicamente, é no grupo Decisão que amplia a escolha por um teatro de
intervenção social, montando Brecht e transportando para Sorocaba a “Fuenteovejuna”
de Lope de Vega. Mas sempre na contramão, Abujamra encena, em plena
efervescência de 1964, O inoportuno, de Harold Pinter, então
considerado um autor do absurdo e de temática alienante. E submete, em eclética
fricção dos meios expressivos, o ritualismo de Sófocles, o classicismo de Lorca
e Shakespeare, e a vida como ela é de Nelson Rodrigues. A montagem de “Um certo
Hamlet”, que subverteria o personagem shakespeariana em 1991, dá a medida de um
diretor petulante em confronto com a sacralidade do mito. Fazia questão de
chocar, de provocar reações pelo exagero, sem qualquer pudor em ser vulgar até
o limite da banalidade. O temperamento do frasista irremediável permitia que em
suas encenações convivessem, algumas vezes em ultrajante humor, o profano e o
perverso, para não deixar qualquer dúvida na plateia de quem ou contra o que
estava sugerindo repulsa ou adesão. Em 1987, retomou sua carreira de ator no
teatro no solo “O contrabaixo”, que
permaneceu anos em cartaz, e que se transformaria em “cavalo de batalha” de um
intérprete de humor inteligente, que impulsionava o personagem, fora e dentro
de cena.