quarta-feira, 6 de maio de 2015

Temporada 2015

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (6/4/2015)

Crítica/ Anti-Nelson Rodrigues 
Novela de final quase feliz

Penúltima peça de Nelson Rodrigues, escrita seis anos antes de sua morte e por insistente encomenda da atriz Neila Tavares, Anti-Nelson Rodrigues é seu texto mais melodramático e ao qual atribuiu título na direção contrária ao ceticismo da maioria dos desfechos das suas tramas. Para além da irônica auto-referência e do romantismo de radionovela, que Nelson tanto gostava, a narrativa persegue as mesmas obsessões de outros personagens perdidos entre a moralidade das aparências e a impossibilidade da ética, a impureza dos desejos e a solidariedade na canalhice. Ainda se mantêm os diálogos de humor sentencioso e o drama de emoções arrebatadas, mas cansados pelo esforço repetitivo e declinantes na invenção. A integridade do universo rodriguiano se conserva como força expressiva e fixação dramatúrgica, mas com inspiração rarefeita e desenvolvimento arfante. Osvaldinho, o boa-vida protegido por incestuosa maternidade e rejeitada paternidade, decide, por capricho, ter uma noite com a recatada suburbana, protegida pelo pai botafoguense. As muitas observações do autor, infiltradas em frases um tanto preconceituosas, acabam por se restringirem ao efeito da impertinência. Bruce Gomlevsky demonstra hesitação ao definir a linha da montagem. Com cenário reduzido a piano, cadeira, cama e praticável, que aproxima a ação da plateia, as cenas se desvendam, em reveladora intimidade, deixando expostos os mecanismos frágeis da sua construção em quadros. O diretor usa essa cenografia despida de imagens para preencher as palavras fartamente vestidas de Nelson Rodrigues com interpretação exaltada da maioria do elenco. Não há semitons, possíveis mesmo numa linha demarcada pelo melodrama, muito menos continuidade nas atuações exacerbadas. Oscila-se do comentário crítico aos personagens à busca de tradução cênica para um gênero em si já muito carregado de conotações. As possibilidades de harmonização entre os dois polos se transformam em paralelismo e entrechoque, reiterando formalmente o avanço aos soluços da narrativa. Tonico Pereira incorpora  Salim Simão em alta voltagem. Rogério Freitas, em que pese o seu despudor, só atinge com sua eloquência discursiva, contornos mornos como o pai. Gustavo Damasceno torna retraída a pusilanimidade de Leleco. Carla Cristina mantém-se discreta em relação ao tratamento subalterno imposto pelo autor à empregada doméstica. Juliana Teixeira desenha a mãe com gestual rígido e intensidade desordenada. Yasmin Gomlevsky elimina com contenção artificial, a mobilidade dos sentimentos no caminho da jovem até a sua decisão final. Joaquim Lopes é um Osvaldino maneirista.