Crítica/ Anti-Nelson
Rodrigues
Penúltima peça de Nelson Rodrigues, escrita seis
anos antes de sua morte e por insistente encomenda da atriz Neila Tavares, Anti-Nelson Rodrigues é seu texto mais
melodramático e ao qual atribuiu título na direção contrária ao ceticismo da
maioria dos desfechos das suas tramas. Para além da irônica auto-referência e
do romantismo de radionovela, que Nelson tanto gostava, a narrativa persegue as
mesmas obsessões de outros personagens perdidos entre a moralidade das
aparências e a impossibilidade da ética, a impureza dos desejos e a solidariedade
na canalhice. Ainda se mantêm os diálogos de humor sentencioso e o drama de
emoções arrebatadas, mas cansados pelo esforço repetitivo e declinantes na invenção.
A integridade do universo rodriguiano se conserva como força expressiva e fixação
dramatúrgica, mas com inspiração rarefeita e desenvolvimento arfante. Osvaldinho,
o boa-vida protegido por incestuosa maternidade e rejeitada paternidade,
decide, por capricho, ter uma noite com a recatada suburbana, protegida pelo pai
botafoguense. As muitas observações do autor, infiltradas em frases um tanto preconceituosas,
acabam por se restringirem ao efeito da impertinência. Bruce Gomlevsky demonstra
hesitação ao definir a linha da montagem. Com cenário reduzido a piano, cadeira,
cama e praticável, que aproxima a ação da plateia, as cenas se desvendam, em
reveladora intimidade, deixando expostos os mecanismos frágeis da sua
construção em quadros. O diretor usa essa cenografia despida de imagens para preencher
as palavras fartamente vestidas de Nelson Rodrigues com interpretação exaltada
da maioria do elenco. Não há semitons, possíveis mesmo numa linha demarcada
pelo melodrama, muito menos continuidade nas atuações exacerbadas. Oscila-se do
comentário crítico aos personagens à busca de tradução cênica para um gênero em
si já muito carregado de conotações. As possibilidades de harmonização entre os
dois polos se transformam em paralelismo e entrechoque, reiterando formalmente
o avanço aos soluços da narrativa. Tonico Pereira incorpora Salim Simão em alta voltagem. Rogério Freitas,
em que pese o seu despudor, só atinge com sua eloquência discursiva, contornos
mornos como o pai. Gustavo Damasceno torna retraída a pusilanimidade de Leleco.
Carla Cristina mantém-se discreta em relação ao tratamento subalterno imposto
pelo autor à empregada doméstica. Juliana Teixeira desenha a mãe com gestual
rígido e intensidade desordenada. Yasmin Gomlevsky elimina com contenção
artificial, a mobilidade dos sentimentos no caminho da jovem até a sua decisão
final. Joaquim Lopes é um Osvaldino maneirista.