Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/5/2015)
Crítica/ Eugênia
Palavras espalhadas por tempos históricos |
O monólogo
de Miriam Halfim recria um jogo de tempo (“estou morta e estou ótima”) na
história de personagem secundário na vida de Dom João VI. Amante do imperador
português, com quem teve uma filha, Eugênia de José Menezes é levada, pela
necessidade de se manter como figura afastada do monarca e a subsistir a
experiências que confrontam épocas. Ao ressuscitá-la, já que sai de sua
caixa-túmulo para percorrer memórias póstumas, a autora mistura pesquisa
histórica com traços de humor. Apesar de mais organizado do que criativo, o
monólogo permitiu ao diretor Sidnei Cruz condicionar a ação aos tempos
narrativos, desdobrando palavras em movimentos, desprendendo-se da sequência
expositiva. A partir da caixa-túmulo, no eficiente e inventivo desenho de José
Dias, a personagem espalha pelo espaço outras tantas caixas, que trazem os
acessórios de sua viagem na vida e a bagagem que reveste seu delirante
percurso. Tal como cubos-mágicos de faces em cores diferentes, a montagem
estende a de cada passo, tonalidades diversas de uma dança ativa que ecoa a voz
única em múltiplas sonoridades. A fixidez da narração, que ameaça com a
monotonia o desenrolar das cenas, é quebrada com a movimentação contínua da
atriz, na intensa preparação corporal de Morena Cattoni e na manipulação dos
figurinos e adereços e maquiagem de Samuel Abranches. Os gestos surgem da
própria linha interpretativa e estão integrados à atuação como balé farsesco e
atos de bufonaria com que Eugênia veste e despe o colorido figurino. A direção
mantém a intensidade dos truques cênicos no limite de um show de variedades,
brincando até mesmo com a capacidade da atriz em ingerir substancial volume de
água. A iluminação de Aurélio Di Simoni e a música de Beto Lemos complementam a
concepção geral. Gisela de Castro sustenta a solidão em cena com a disciplina
de intérprete que se empenhou em corresponder às proposições do diretor. Com
rosto expressivamente delineado, que acentua sua máscara facial, e com
agilidade corporal, que sustenta sem aparente esforço, Gisela não deixa
que o ritmo sofra descontinuidade, mas fica restrita a seguir fisicamente
trilha que poderia alcançar maior extensão.