quinta-feira, 28 de maio de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (27/5/2015)

Crítica/ O Grande Livro dos Pequenos Detalhes
Sinais invertidos de sentidos trocados

A dramaturgia e a encenação desta proposta de criar narrativa teatral pouco convencional são feitas através de contrastes, sinais invertidos e sentidos trocados. Há uma lógica no desmonte das formas de montar a trama como um quebra-cabeças que nunca se arma, e de construir a cena como o oposto do que é dado ver. As aparências são enganosas e as intenções parecem bizarras, nunca se concretizando, integralmente, as pistas que lança com método, mas objetivos difusos. A desconexão entre o tom narrativo e o entrecho expositivo é intencional e percebida pelo espectador com a estranheza da desarrumação. Para tornar ainda mais obscuros os caminhos deste percurso que se desmente a cada momento, são citados, indiretamente, o poeta inglês Philip Larkin e o filósofo alemão Theodro W. Adorno (“normalidade significa morte”). Já na primeira cena se propõe algo desconcertante: uma atriz estática e um ator com máquina que produz bolhas de sabão ficam longos minutos diante da plateia sem que nada aconteça.  Para em seguida, a dupla completar o grupo, que em torno de barraca de camping, apresenta sugestões banais para um vago departamento de clarificações e distrações. São desencadeadas ideias de diversão escapista e eficácia alienante, que variam de um novo chupa-cabra e de maneiras de distrair o povo com a vida da família real inglesa. Seria esse prólogo a antecipação dos elementos das histórias que se assistirá logo depois? Ou crítica ao modo como as narrativas se oferecem com significados fechados? Talvez a montagem não esclareça com os longas, falastrões diálogos de humor deslocado na trama do desaparecimento misterioso de uma locutora de rádio que noticia a situação do trânsito. E do funcionamento do departamento secreto que estuda possíveis divertimentos para que as pessoas esqueçam os problemas. O texto de Alexander Kelly, por demais inglês no seu humor e na adesão aos investigativos rumos de dramaturgia de múltiplas fronteiras, estabelece perplexidade diante de códigos a decifrar e associações a descobrir. A direção coletiva do elenco – Cláudia Gaiolas, Michel Blois, Paula Diogo e Thiare Maia Amaral – não facilita a fluência na apreensão de significados, que demonstra ser a provocação da desestruturada dramaturgia. Tanto como diretores quanto como atores, o elenco transmite empenho a uma concepção que aponta outras possibilidades de encenação, ainda que deixem à mostra bem mais o “processo de criação” do que o “produto final”. O desenho do espetáculo segue traços artesanais na simplicidade da cenografia de Elsa Romero, na iluminação de Wagner Azevedo e no coloquialismo da tradução de Alex Casal e Joana Frazão. O artesanato se estende às interpretações, com Paula Diogo sobressaindo como presença que melhor alcança os efeitos contrários do que sua atuação quer fazer acreditar.