Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (13/5/2015)
Crítica/ Pahoma –
Dança em Versos
O coreógrafo João Saldanha, em sua segunda
direção teatral, se desprende da dança para estender seus passos à concretude da
palavra. Modificam-se posições, mas mantém-se o espaço fragmentado das
linguagens, representado pela voz emprestada ao corpo. Com o subtítulo de
“Danças em versos”, “Pahoma”, um nome feminino, transita por formas expressivas
que compartilham tempos narrativos para possibilitar o encontro e “localizar na
invenção o viver agora”. O texto e a
encenação de Saldanha estão em permanente movimento, em que teatro e dança são
meios dos quais se serve para ir na direção de “um lugar sem lugar dos nossos
sonhos, as utopias”. É desse lugar nenhum do teatro, em que “inventamos
diversas histórias e geografias” que o espectador preenche a cena, feita da voz
onírica das dissonâncias e inutilidades e das distâncias e proximidades dos
nossos dias. Da plateia, defronta-se com reverberações de uma vaga
sensibilidade do momento, atualizada pela desordenada, urgente, solitária e
descontruída incompreensão coletiva. Não há qualquer sentido filosofante ou
pretensão a indicativos de autoajuda nesta súmula de comentários, delicados,
bem humorados e provocantes, mas apenas sugestão a se deixar conduzir por observações
contrastadas. A passagem rápida do tempo, uma das tantas citações à pressa de
viver, é quebrada pela necessidade da ida ao dentista. O peso histórico do
colonialismo é embalado por canção de Burt Bacarach. E até mesmo a frase - “Tudo que a droga faz é matar você aos
poucos” - que abre o espetáculo e a única que parece apontar para um efeito exemplar,
serve de avaliação irônica à prisão de Billie Holiday. A montagem está envolta
por cenário de João Saldanha, uma área branca, de profundidade e solo
enevoados, que dispõe ao centro dispositivo-objeto, semelhante a um escorrega,
pelo qual deslizam os altos e baixos da dança das palavras. Ainda que com
aspecto um tanto pesado, esse tobogã cenográfico compõe o visual abstrato,
poeticamente iluminado pelas depuradas mutações de cor de Russinho. A área
branca que se confirma como enquadramento para projeção de sentidos, tantos
quanto nos conduzem as palavras, cria com a trilha original de Sacha Amback
paralelismo envolvente com o fluxo das “ideias no olhar”. A direção estabelece
espaço de sonho que busca ser ouvido, e essa audição se torna mais audível à
medida da força corporal do que é dito. Luciana Fróes e Nadia Nardini se fazem
dupla de voz e corpo sem nenhuma intenção ilustrativa. São movimentos sutis,
gestos interrompidos, mãos suaves, toques inconclusos e quedas deslizantes que
reverberam vozes que cantam, expõem conflitos, medem temperaturas, e despem
ridículos. As atrizes nos transportam para o lugar do teatro como possibilidade
de convivência e dúvidas. Para o encontro dos desencontros.