segunda-feira, 25 de maio de 2015

Temporada 2015

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (24/5/2015)

Crítica / Família Lyons
Relações familiares em estado terminal
O americano Nick Silver construiu universo dramático com características próprias em que as relações familiares se manifestam por comportamentos perturbantes, sustentados por um arco sentimentos, oscilantes entre humor cruel, conflitos psicológicos e vivências disfuncionais. Em “Família Lyons” não  é muito diferente, com o acréscimo de todas essas obsessões, mas agora em volteios em torno da morte. O patriarca está em seus últimos dias, vitimado por doença terminal, e sua neurótica mulher aguarda o desfecho planejando decorar a sala depois da morte do moribundo. Os filhos, ela uma alcoólatra agredida pelo ex-marido; ele, um jovem com sexualidade apoiada em fantasias, se desencontram em conflitos irreconciliáveis. Todos mergulhados em mútua solidão. Silver movimenta esses desencontros na borda do desespero com diálogos marcados por observações irônicas e situações ácidas. O seu jogo dramático está em buscar surpreender na mudança de rumos com que manipula as expectativas da platéia. A previsível morte do doente se compensa pelo inusitado reaparecimento. As características consolidadas dos filhos, sofrem reversão ao final. E a viúva dá um sentido inesperado à vida. Mas nem sempre esses truques funcionam com a necessária coerência de um texto realista que procura densidade psicológica. Deixam a impressão de que são apenas ‘gadgets” narrativos para reacender a atenção. Mas dentro da sua fórmula dramatúrgica, o texto funciona e provoca envolvimento. Marcos Caruso numa direção límpida, que valoriza o elenco, deixa que a montagem adquira fluência e leveza que contrabalancem eventual peso, o mesmo que o autor circunda todo o tempo. A tradução coloquial de Juliana Burneiko e a discreta direção musical de Marcelo Alonso Neves colaboram com a aura naturalista da montagem. O figurino de Patrícia Muniz, um tanto carregado para as atrizes, veste melhor os atores. A cenografia de Alexandre Murucci com a funcionalidade de persianas corrediças resolve as mudanças de ambientes e serve à eficiente iluminação de Felipe Lourenço. O elenco, em equilibrada sintonia, se mostra um grupo integrado: da quase episódica atuação de Rose Lima, como a enfermeira, ao jeito “gauche” de Pedro Osório, o misterioso corretor. Rogério Fróes  foge, com bom humor, da condenação à fatalidade vivida pelo personagem. Zulma Mercadante adota um ar um tanto elegante para quem, como a filha, vive tantos problemas. Emílio Orciollo Netto, quando supera a composição física maneirosa, adensa a sua interpretação. Suzana Faini se destaca, não só pela relevância e centralismo da matriarca, como pelo tom aparentemente leviano com que ativa as contradições familiares.