Crítica / Família Lyons
Relações familiares em estado terminal |
O americano Nick Silver construiu
universo dramático com características próprias em que as relações familiares
se manifestam por comportamentos perturbantes, sustentados por um arco
sentimentos, oscilantes entre humor cruel, conflitos psicológicos e vivências
disfuncionais. Em “Família Lyons” não é muito diferente, com o
acréscimo de todas essas obsessões, mas agora em volteios em torno da morte. O
patriarca está em seus últimos dias, vitimado por doença terminal, e sua
neurótica mulher aguarda o desfecho planejando decorar a sala depois da morte
do moribundo. Os filhos, ela uma alcoólatra agredida pelo ex-marido; ele, um
jovem com sexualidade apoiada em fantasias, se desencontram em conflitos
irreconciliáveis. Todos mergulhados em mútua solidão. Silver movimenta esses
desencontros na borda do desespero com diálogos marcados por observações
irônicas e situações ácidas. O seu jogo dramático está em buscar surpreender na
mudança de rumos com que manipula as expectativas da platéia. A previsível
morte do doente se compensa pelo inusitado reaparecimento. As características
consolidadas dos filhos, sofrem reversão ao final. E a viúva dá um sentido
inesperado à vida. Mas nem sempre esses truques funcionam com a necessária
coerência de um texto realista que procura densidade psicológica. Deixam a
impressão de que são apenas ‘gadgets” narrativos para reacender a atenção. Mas
dentro da sua fórmula dramatúrgica, o texto funciona e provoca envolvimento.
Marcos Caruso numa direção límpida, que valoriza o elenco, deixa que a montagem
adquira fluência e leveza que contrabalancem eventual peso, o mesmo que o autor
circunda todo o tempo. A tradução coloquial de Juliana Burneiko e a discreta
direção musical de Marcelo Alonso Neves colaboram com a aura naturalista da
montagem. O figurino de Patrícia Muniz, um tanto carregado para as atrizes,
veste melhor os atores. A cenografia de Alexandre Murucci com a funcionalidade
de persianas corrediças resolve as mudanças de ambientes e serve à eficiente
iluminação de Felipe Lourenço. O elenco, em equilibrada sintonia, se mostra um
grupo integrado: da quase episódica atuação de Rose Lima, como a enfermeira, ao
jeito “gauche” de Pedro Osório, o misterioso corretor. Rogério Fróes
foge, com bom humor, da condenação à fatalidade vivida pelo personagem. Zulma
Mercadante adota um ar um tanto elegante para quem, como a filha, vive tantos
problemas. Emílio Orciollo Netto, quando supera a composição física maneirosa,
adensa a sua interpretação. Suzana Faini se destaca, não só pela relevância e
centralismo da matriarca, como pelo tom aparentemente leviano com que ativa as
contradições familiares.