terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Retrospectiva da Temporada 2012


Ano de Fartura e Carência

O ano teatral carioca foi marcado por fartura e carência. Depois de algumas temporadas em que o número de estréias ficou restrito às limitações de patrocínio, em 2012 a ampliação das fontes de financiamento permitiu o aumento de estréias, que esbarrou na baixa disponibilidade de espaços. Com poucas salas para abrigar quantidade crescente de estréias, as montagens são obrigadas a se restringir à permanência curta em cena, muitas com apenas três semanas de duração, o que denuncia a falta de teatros e relembra que há que ampliar a relação da política de fomento com a construção de casas de espetáculo. A qualidade do que se produziu também se expressa em números significativos, já que algo como 10% das novidades nos palcos mereceram destaque por valorizar a criação e a inventividade. Os diretores demonstraram que estão em processo de consolidação de estilos com forte assinatura e instigante linguagem cênica. Michel Melamed eliminou a palavra em Adeus à Carne para radiografar, através de desfile de escola de samba, a condição um tanto trágica da brasilidade. Felipe Hirsch enredou  personagem à procura de sua identidade em O Livro de Itens do Paciente Estevão. Paulo de Moraes mergulhou no inconsciente de uma mulher em A Marca da Água. Marcio Abreu traduziu com especial sensibilidade o universo familiar de Joël Pommerat em Esta Criança. Monique Gardenberg e Michele Matalon reproduziram no palco a estranheza das páginas de livro de Haruki Murakami em O Desaparecimento do Elefante. Moacir Chaves prosseguiu na encenação de documentos históricos em Negra Felicidade e Bruce Gomlevski se anunciou bem na direção de O Homem Travesseiro.

Os autores se revelaram inquietos, todos, e promissores, alguns. Pedro Brício criou espaço pulsantemente sóbrio em Breu, demonstrando maturidade e domínio da escrita. Maurício Arruda e Paulo de Moraes consolidaram profícua parceria em A Marca da Água, enquanto Pedro Kosovski prossegue em Cara de Cavalo arejada trajetória como dramaturgo. E a grande surpresa do ano foi a inteligente e habilidosa construção de Julia Spadaccini em Quebra Ossos. Na área dos intérpretes, as atrizes se destacaram com vibrantes, rigorosas e sutis atuações, como a de Renata Sorrah em plena maturidade em Esta Criança e da dupla vigorosa Drica Moraes e Mariana Lima em A Primeira Vista. E de Kelzy Ecard, com delicada emoção em Breu, e de Simone Spoladore em driblada composição em Depois da Queda. Patrícia Selonk capturou a fluidez de personagem em suspensão em A Marca da Água. Fernanda de Freitas, Marjorie Estiano e Maria Luisa Mendonça deixaram boas lembranças em O Desaparecimento do Elefante. Flávia Zillo foi a revelação de O Bom Canário. Entre os atores, o espectro de boas intervenções varia da autoridade de Marco Nanini em A Arte de Abordar seu Chefe Para Pedir Aumento às intensas participações de Tonico Pereira em Volta ao Lar e O Homem Travesseiro. Leonardo Medeiros se mostrou integrado, visceralmente, à saga da perplexidade do personagem inominado de O Livro de Itens do Paciente Estevão. Caco Ciocler, Kiko Mascarenhas e Rafael Primot formaram trio de excelência em O Desaparecimento do Elefante. Ranieri Gonzalez provou em Esta Criança a amplitude de seus meios expressivos.

A cenografia alcançou um ponto alto de sofisticação, não apenas na concepção, mas também na execução. Bia Junqueira, praticamente co-dirigiu Adeus à Carne, com sua explosão de imagens criadas para um palco enganosamente vazio. Bia também foi responsável pelo flexível cenário de Modéstia. Paulo Moraes encontrou a ambientação perfeita para A Marca da Água e Vandré Silveira reinventou o universo do artista plástico Farnese de Andrade em Farnese da Saudade. Daniela Thomas carimbou o seu selo em O Livro de Itens do Paciente Estevão e O Desaparecimento do Elefante. Fernando Marés deu traço definitivo à cenografia de Esta Criança, completada pela excelente iluminação de Nadja Naira. E Maneco Quinderé se provou mago da luz em vários espetáculos: A Primeira Vista, O Outro Van Gogh, entre outros. 
O Rio ficou, uma vez mais, fora do circuito dos grandes espetáculos que circularam por outras capitais do país. Porto Alegre e São Paulo receberam montagens do Berliner Ensemble e Bob Wilson trouxe três espetáculos, com destaque para A Ópera dos Três Vinténs, uma explosão de rigor e técnica admiráveis. O clássico do belga Jan Fabre, O Poder da Loucura, que investiga o recondicionamento das convenções teatrais, expandindo os limites e as potencialidades da interpretação, passou ao largo do Rio. Em parte esse desvio de rota foi compensado pela permanência e boa curadoria do festival Tempo, uma luz em meio à escuridão das visitas internacionais.

                                                   macksenr@gmail.com