Atriz única de uma linhagem artística |
Marília Pêra, no show teatral “Elas por elas”, interpretava
cantoras brasileiras em homenagem a sua linhagem artística. A dinastia familiar
se revelava quando encarnava Aracy Cortes e podia-se imaginar a avó Antônia
Marzullo representando nos mesmos pavilhões onde a cantora se apresentava. Ao
lançar sua voz em “Camisa amarela”, relembrava Aracy de Almeida e tinha-se a
imagem do pai e do tio, Manoel e Abel Pêra, que mambembavam pelo interior. E
recordava a mãe Dinorah, que atuava nos tempos do rádio. Marília recompunha com
“star quality” de uma trabalhadora braçal do teatro, a herança que cultivou ao
longo de 68 anos de carreira. A vida dura da família definiu, não apenas o
caráter profissional e rigoroso na formação da atriz, como traçou sua
trajetória como operária dedicada ao aperfeiçoamento da prática artística,
nunca descontinuado. Voltada ao trabalho como necessidade expressiva, mantinha
o impulso de sobrevivência numa ofício difícil, criando condições de se manter
atuante e revigorada. Se os convites rareavam, produzia (“A vida
escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato”). Se a proposta era ousada,
aceitava (“Onde canta o sabiá”). Se os amigos convidavam, dirigia (“O mistério
de Irma Vap”). O teatro devolveu-lhe, com generosidade, o tanto que ela o cultivou
em mais de cinco dezenas de espetáculos. Marcada pelas várias comédias
musicais, ultrapassou a rotulação do gênero para viver mulheres de temperamento
que se tornaram imãs para a atriz que as recriava com emoção e crítica,
às vezes irônica, que emprestava a cada uma delas. Iluminou a brejeirice de
Carmem Miranda. Vestiu a elegância de Madame Chanel e deu uma aula a prima dona
Maria Callas. Marília Pêra, nunca esqueceu os códigos dos artistas populares,
legados do clã de origem e repetidos como ”golpes de teatro” que permitia que
flanasse com intimidade e virtuosismo pelo território em que nasceu predestinada
e cresceu batalhadora.