domingo, 6 de dezembro de 2015

Temporada 2015

Marília Pêra
Atriz única de uma linhagem artística

Marília Pêra, no show teatral “Elas por elas”, interpretava cantoras brasileiras em homenagem a sua linhagem artística. A dinastia familiar se revelava quando encarnava Aracy Cortes e podia-se imaginar a avó Antônia Marzullo representando nos mesmos pavilhões onde a cantora se apresentava. Ao lançar sua voz em “Camisa amarela”, relembrava Aracy de Almeida e tinha-se a imagem do pai e do tio, Manoel e Abel Pêra, que mambembavam pelo interior. E recordava a mãe Dinorah, que atuava nos tempos do rádio. Marília recompunha com “star quality” de uma trabalhadora braçal do teatro, a herança que cultivou ao longo de 68 anos de carreira. A vida dura da família definiu, não apenas o caráter profissional e rigoroso na formação da atriz, como traçou sua trajetória como operária dedicada ao aperfeiçoamento da prática artística, nunca descontinuado. Voltada ao trabalho como necessidade expressiva, mantinha o impulso de sobrevivência numa ofício difícil, criando condições de se manter atuante e  revigorada. Se os convites rareavam, produzia (“A vida escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato”). Se a proposta era ousada, aceitava (“Onde canta o sabiá”). Se os amigos convidavam, dirigia (“O mistério de Irma Vap”). O teatro devolveu-lhe, com generosidade, o tanto que ela o cultivou em mais de cinco dezenas de espetáculos. Marcada pelas várias comédias musicais, ultrapassou a rotulação do gênero para viver mulheres de temperamento que se tornaram imãs para a atriz que as recriava  com emoção e crítica, às vezes irônica, que emprestava a cada uma delas. Iluminou a brejeirice de Carmem Miranda. Vestiu a elegância de Madame Chanel e deu uma aula a prima dona Maria Callas. Marília Pêra, nunca esqueceu os códigos dos artistas populares, legados do clã de origem e repetidos como ”golpes de teatro” que permitia que flanasse com intimidade e virtuosismo pelo território em que nasceu predestinada e cresceu batalhadora.