quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (16/12/2015)

Crítica/ “Ibsen venusianas”
Nau de culturas borradas na geografia de um casal  

O texto de Weydson Leal pretende, a partir de citações ao universo do norueguês Henrik Ibsen, encontrar convergências de personagens, brasileira e cabo-verdiano, num espaço narrativo único. O casal vive a intensidade da criação, com a atriz estimulando o pintor, até que o desequilíbrio nas carreiras e as tensões da convivência, desencadeiam crise definitiva. Os conflitos que provocam o desgaste são inspirados nas mulheres das peças de Ibsen, deslocando os traços do feminino da dramaturgia do autor nórdico para a discussão de relacionamento na temperatura de trópicos mais quentes. Completa-se o percurso dessa nau atracada em vários portos, com o depoimento da atriz, que se mistura o da personagem, reportando os seminários sobre o papel da mulher na obra de Ibsen, que multiplicou pelos países de língua portuguesa. O que poderia ser um caldeirão cultural, é pouco mais do que rescaldo de fontes desaquecidas de geografias extremadas pelas diferenças e incompatíveis pela distribuição. O pintor, filho de pescador, quando fala do mar africano, parece querer se referir a costa da Noruega. Quando a atriz menciona a sua passagem pela África, aprofunda disparidades. Moacyr Góes driblou, em parte, o descompasso das referências para balizá-las no plano de ação física. A armação do  camarote-atelier de um navio da cenografia de Teca Fichinski, iluminada por Maneco Quinderé, apoia os movimentos e o embate dos corpos que, em paralelo com a tinta que se espalha, confere tensão borrada, ativando os diálogos um tanto literários. O diretor sustenta esse aspecto mais físico, contando com a  adesão dos atores, que respondem melhor aos estímulos corporais do que à introspecção ibseana. Tânia Pires, que carrega a pluralidade de tantas mulheres não consegue projetar a única delas que poderia dar-lhe significação: a que toma a sua vida nas mãos. Vinícius Piedade demonstra ser bem menos um ilhéu africano e se assemelhar bem mais a uma artista com arpão verbal mirando as águas frias norte da Europa.