Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (5/12/2015)
Crítica/ “Marco
Zero”
Neil Labute aparece, pelo menos uma vez a cada
temporada, como aquele autor de produção prolífera, alinhado com temáticas atualizadas
de narrativas convencionais. Na primeira fase da carreira, recorria menos aos
truques e golpes de teatro da maioria de seus textos, que capturam algum
assunto circulante para usá-lo em escrita rotineira e convenções banalizadas do
realismo psicológico. Em “Marco Zero”, a destruição das Torres Gêmeas no 11 de
setembro, é o mote da vez. Um casal, aparentemente acuado em um apartamento
nova-iorquino, um dia depois do ataque, tenta dimensionar no plano individual a
perplexidade e o caos coletivo. O que parecia a princípio tensão diante do desconhecido,
logo se vai mostrar apenas como pretexto para “discutir a relação”. Um homem se
abriga no apartamento da chefe-amante, sem atender aos insistentes telefonemas
da mulher, indeciso em abandonar ou não a família. Segue-se um longo e previsível
diálogo sobre a decisão a ser tomada, que ora pende para um lado, ora para
outro. O caráter simbólico da data e a metáfora possível de uma América ferida
estão distantes do tratamento dramático, reduzido a elemento deflagrador da
ação. O diretor Ivan Sugahara investiu na ampliação deste contexto factual,
buscando ambientar, com interveniente sonoridade, o barulho que chega do
exterior até a luta interior do casal. As informações trazidas pela televisão,
que quase nunca se desliga, o telefone, que toca incessantemente, os ruídos e a
trilha sonora, que comentam a reclusão, criam inquietude constante que adensa e
sublinha a narrativa. Sugahara distribui e equaliza essas rubricas sonoras como
referenciais que remetem ao ponto de partida abandonado pelo autor. A
cenografia de Aurora dos Campos atende com eficácia a necessidade de boa visibilidade
da plateia frente ao difícil espaço angular do palco. A transparência do tecido
que demarca a área da representação envolve de olhar nublado o cenário da sala-bolha.
Paulo Cesar Medeiros comprova, mais um vez, as suas qualidades de iluminador. Numa
dramaturgia elaborada para medir técnicas interpretativas e afinar emoções, a
dupla de atores do casal de Labute, estabelece intensa contracena. Tárik
Puggina mantém ar misterioso nos silêncios que escondem hesitações e fraquezas.
As reações mais contundentes do personagem, reproduzem, com comedimento, as fragilidades
que a imobilidade física e voz calada que se articulam na atuação de Puggina.
Letícia Isnard, que de início procura sinais para desenhar a mulher que traz da
rua convulsionada as marcas do desregramento, se desprende desta linha para ganhar
fôlego e vigor. A atriz libera, com modulada intensidade, os sentimentos da
mulher em estado permanente de eclosão.