Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (2/11/2015)
Crítica/ “Talk
radio”
Emissões de vozes dissonantes da América profunda |
O texto do americano Eric Bogosian demonstra,
quase 30 anos depois de escrito, estar ameaçado de perder a validade. Não que
seja medíocre, muito menos mal estruturado, apenas foi ultrapassado pela velocidade
digital. O locutor de uma rádio regional, que comanda o programa “Night talk”,
recebe nas madrugadas telefonemas de ouvintes no contra-fluxo da correção
política e social. São vozes solitárias que defendem o racismo, agridem
homossexuais e expõem frustrações num retrato, criticamente desfocado, da
América profunda. Barry Champlain comanda com ironia e virulência verbal o
desfile de desabafos e opiniões desmedidas, mantendo nos bastidores a mesma
relação conflituosa com colegas de trabalho. Bogosian ambiciona, através de uma
mídia abrangente e ainda poderosa, estabelecer metáfora das mazelas de um país,
simbolizadas pelas ruído surdo da maioria silenciosa que fala das sombras do
anonimato ou da mentira dos disfarces. Esse painel é atropelado pela atuais
redes sociais, que refletem com maior contundência e força corrosiva juízos
apressados e avaliações antissociais. O drama realista que sustenta o quadro
político fica fragilizado pelo veículo que intermedia as atitudes destemperadas
do locutor e as palavras dissonantes dos ouvintes. A comunicação pendular da
narrativa acusa sua limitação e é superada no monólogo final quando a plateia é
confrontada com a sua capacidade de atuar como agente de seus atos e presença
interveniente no seu tempo. Maria Maya não integrou essa urgência de contato,
ativando apenas a conexão entre as vozes, mas sem variação de sonoridade. A
diretora uniformizou sob único ritmo e mesma modulação os embates radiofônicos,
reduzindo-os à troca exibicionista de tipos e esvaziando o quadro de fundo de colorido
mais intenso. A montagem evolui de modo sequencial, reforçada pela utilização rotineira
da cenografia econômica de José Dias, e pela aproveitamento restrito da luz de
Adriana Ortiz. O elenco acompanha a opção da diretora, com interpretações que
se mantêm no contínuo diapasão da linearidade. Leonardo Franco, que conduz a
trama, marca em compasso invariável e contorno esmaecido a figura central de
Barry Champlain. A última cena, que desvenda o pensamento do autor, se perde na
insistência de Leonardo Franco na sua linha de atuação amortecida . Os demais
atores – Alexandre Varella, Bernardo Mendes, Marcelo Aquino e Raul Franco – sofrem
de igual nivelamento. As exceções são Mariana Consoli, que recorre a variantes do humor, e Stela
Maria Rodriygues que tenta caracterizar com
um pouco mais o papel acessório da produtora da rádio.