Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (22/11/2015)
Crítica/ “Ideia
fixa"
Adriana Falcão é uma malabarista das palavras.
Joga-as no ar em traços rápidos, algumas vezes no sentido contrário ao que
querem dizer e em velocidade que até pode escapar-lhe o alvo. Em “Ideia fixa”,
a autora exercita com agilidade esses malabares verbais para contar da expectativa
de duas mulheres, presas a um mesmo homem, até a libertação. Sem nomes, ligadas
pela rivalidade no feminino e na dependência do masculino, marcadas por antiga
sujeição, estão à espera de se liberarem da onipresença dele e da própria insegurança.
Confinadas num espaço em que aguardam chegar a alguma decisão, disputam aquele
que as mantém na esperança da reconquista e para quem amar se conjuga em outros
tempos. As duas se unem na tentativa da volta improvável, em longo diálogo de
submissão ao desejo e anulamento das vontades. Num bate-pronto em que uma
afirma e a outra desmente, uma avança e a outra recua, a narrativa se enreda
nas palavras que circulam em torno de um eixo dramático único. É o homem que determina
a inação das mulheres e a quem elas respondem, servis, a cada pergunta
incômoda. O texto de Adriana Falcão trata menos da rejeição e dor de amor, e mais
de visão romântica dos papéis numa relação de gêneros. O que pode sugerir posição
tradicionalista e conservadora. Henrique Tavares encena o jogo verbal, explorando
a rapidez com que a argumentação é proposta e derrubada, voltando sempre ao
ponto de partida. O diretor extrai dessa imobilidade uma dinâmica que faz a
ação subterrânea emergir até a superfície do desfecho. Apesar do distendido
percurso, alcança com relativo êxito o final da jornada libertadora. O
cenógrafo e figurinista Ronald Teixeira é quem melhor interpreta e situa o
estado oprimido das mulheres. Localizando a trama em uma sala de espera,
recoberta por capas de revistas, e vestindo as personagens com roupas de época,
referenda os sentimentos expectantes e aponta na roupagem fora de época, o desgaste
dos sonhos idílicos. O constante folhear das revistas e os movimentos inacabados
em direção ao cabide com novas roupas complementam a integração do visual revelador
às vozes encobertas. A iluminação de Beto Bruel amplia o aspecto solar da
ambientação. A trilha sonora de Rodrigo Penna e Ricco Vianna tem projeção
acessória. Rodrigo Penna se mostra arredio em assumir o descompromisso afetivo
daquele que povoa imaginações amorosas. Silvia Buarque acentua a timidez da
hesitante personagem, que fica ainda mais contida pela voz, às vezes, velada da
atriz. Guta Stresser agarra o papel com muita vontade, ameaçando leva-lo por um
rumo oposto ao de suas emoções. Mas o reencontra numa interpretação forte e
amadurecida.