Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (4/11/2015)
Crítica/ “A
floresta que anda”
Linguagem multimídia para desequilibrar roteiros teatrais |
As imagens documentais de sobreviventes de
guerras sociais se distribuem pela sala como uma instalação de plasticidade confrontadora.
São vídeos que espalham as vozes de imigrante congolês em uma favela paulista e
da sobrinha de Amarildo, morto na Rocinha. Também falam o manifestante de rua
da prisão em 2013, e o integrante do movimento dos sem-teto de ocupação em
Brasília. Os rostos são apenas entrevistos, e o que as telas ampliam são
detalhes do espaço onde os fatos aconteceram. O público percorre essa galeria-palco-cinema
com a expectativa de desdobramento do que virá depois, de como as linguagens podem
convergir cenicamente. É esta a questão central e a maior dúvida que a diretora
Christiane Jatahy lança em obra que evoca “Macbeth”, pela menção que faz no
título. A vernissage inicial municia o espectador de informações que
caracterizam a força no exercício do poder. As ações decorrentes das presenças
ocultas são conduzidas pela intervenção de uma atriz que, metafórica e
fisicamente, desaba diante do quadro assinalado pelos vídeos. E a área da
representação se configura com a frontalidade das quatro telas frente a
plateia. Definido o espaço, atos voluntariosos de uma dança frenética e de
palavras retiradas de Shakespeare se concluem com a plateia assistindo passiva ao
deslocamento das telas que projetam sua imagem ao vivo. O paralelo simbólico se
estabelece, as articulações cênicas, nem tanto. A performance se dilui na
imagem, que apaga a palavra e torna invisível o movimento final da floresta
andando. O fragmento de “Macbeth” é estilhaçado em partículas, formalizadas em
vários meios, mas de materialidade dispersa. O tempo de ver está desconectado com
o de responder, restando à plateia apenas o papel de assistente, quando se
pretende o seu comprometimento. Christiane Jatahy depura a técnica e supera a
complexidade da realização multimídia. Os vídeos, assinados pela diretora e por
Paulo Camacho, enquadram paredes sem reboco, tetos de lona e depoimentos roucos
com o foco no registro factual e na estética ativista. O diretor de arte e
cenógrafo Marcelo Lipiani, ao lado de Christiane Jatahy e do iluminador Paulo
Camacho, cria ambiência de galeria que se transforma em palco modulável. A
performance-instalação-teatral-cinematográfica, ou de qualquer modo como se
queira defini-la, prescinde de
classificações para ser vista como mais uma investida de Christiane Jatahy na
superposição de elementos de um diálogo teatral que se experimenta na incerteza
das imprecisões e na quebra de percursos
unificados.