domingo, 8 de novembro de 2015

Temporada 2015

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/11/2015)

Crítica/ “Kiss me Kate!”
 
Porter e Skahespeare em sintonia com Petrucchio e Catarina 

A comédia musical de Sam e Bella Spewack recria as brigas de bastidores que casal de atores americanos transferia para o palco enquanto corria em paralelo a encenação de “A megera domada”. A história é verdadeira e aconteceu em 1935, e a dupla de libretistas convidou Cole Porter para musicar as desavenças reais dos Lunts e as ficcionais de Shakespeare. O paralelismo é duplamente clássico. A estrutura do musical, estreado em 1948, tem no teatro a trama que apoia a evasão do gênero, reiterando suas características, mas com dramaturgia e trilha de qualidade. Porter e Shakespeare são eternos, e reuni-los para o divertimento inteligente passa ao largo de seguir fórmulas ou quebrar regras. “Kiss me Kate!” é duradouro como são os produtos comerciais que não barateiam o valor da mercadoria, subjugando-a aos enganosos apelos da bilheteria. A montagem de Charles Möller (direção) e Claudio Botelho (versão brasileira) ainda que fiel ao espírito dos musicais do circuito Broadway-West End, tem respiração nacional e rigor próprio de execução. A tradução de Claudio Botelho, tanto das canções quanto do texto, alcança alto padrão, aclimatando-se ao nosso idioma com sonoridade fluente  sem trair a musicalidade original. As letras de Cole Porter, sejam as de dubiedade maliciosa (“Homens, não!”), as de poesia romântica (“Wunderbar’), e as de puro brilho (“Mais uma estreia”) ganham vocalização que chega aos ouvidos, intermediada por rimas enriquecidas pela transposição do sentido. A melhor e mais criativa delas é a versão de “Chama o Shakespeare!”, que Botelho adapta da paródia ao teatro americano para comentários bem humorados sobre o atual panorama do palco brasileiro. E com direito a autocrítica. O abrasileiramento se estende à direção que reuniu elenco, músicos e técnicos do melhor nível local de profissionalismo. A direção musical, regência e adaptação dos arranjos de Marcelo Castro e a orquestra de músicos competentes, inundam o espetáculo em sintonia fina com as envolventes melodias de Cole Porter. Alonso Barros segue, como citação, o estilo coreográfico de tantos outros musicais. A cenografia de Rogério Falcão vai pela mesma linha, com telões pintados e maquinaria funcional. O figurino de Carol Lobato mescla as roupas de época com o colorido das vestes do show-business. Arrematando o quadro de bom acabamento, destacam-se a iluminação de Paulo Cesar Medeiros  e o visagismo de Beto Carramanhos. O elenco de 22 atores, cantores e bailarinos formam coeso ensemble no qual  o protagonismo fica por conta das oportunidades oferecidas pelos papéis. Fabi Bang é a perfeita loura sexy, e Will Anderson um cômico de burlesco. Jitman Vibranonski tem físico para compor figura senhorial. Ruben Gabira se mostra um dançarino em passos de humor. Guilherme Logullo sapateia acrobaticamente e Chico Caruso cumpre a função de personalidade em cena. Alessandra Verney, com seu alcance vocal e presença atraente, duplica suas habilidades como Lili e Kate. José Mayer interpreta Fred e Petruchio com os recursos maduros de ator e solta a vigorosa voz de barítono com a autoridade de ótimo cantor.