Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (26/8/2015)
Crítica/ “Chaplin
o musical”
O vagabundo do cinema mudo em versão de musical biográfico |
O formato desse musical biográfico segue, com
algumas variantes, os padrões clássicos do gênero. A história do menino pobre
de pais artistas, que deixa a Inglaterra para fazer carreira no cinema nos
Estados Unidos, é contada em detalhes: do sucesso de Carlitos ao exílio
europeu. Numa tão extensa e pormenorizada sequência de acontecimentos, Chaplin
é apresentado em paralelo à sua obra e de como sua vida se transforma em filmes
e a família em personagem. Os miseráveis da Londres do início do século passado
se reúnem em uma só figura, a do vagabundo lírico. Os problemas psicológicos da
mãe e a fidelidade do irmão Sidney, dão
elementos para caracterizar o comportamento do amante de muitas mulheres e do
ativista acusado de comunista, entre tantos outros percalços de um temperamento
criador. A condensação de fatos e a exposição da obra percorrem os 88 anos de
uma existência atribulada, tentando equilibrar aspectos emotivos com objetividade narrativa. Essa
comédia musical americana, que tem versão brasileira de Miguel Falabella,
procura encaixar o farto volume de informações nos limites dramáticos de uma
categoria de montagem voltada aos efeitos. Música, coreografia, cenário são
predominantes e embrulham a trama para tornar o diálogo com o espetacular mais
atraente, o que em “Chaplin, o musical” provoca algum atrito. O primeiro ato,
com a movimentação intensa do cenário e algum malabarismo coreográfico, permite
que o entrecho se ajuste com maior facilidade aos códigos do musical. No
segundo, a ação tem menor flexibilidade para se integrar à inexpressiva trilha
sonora e driblar o enquadramento aos
mecanismos feéricos. O diretor argentino Mariano Detry reproduziu o original da
Broadway com as necessárias aclimatações nacionais. O eficiente cenário e os perfeitos
adereços, além dos bem desenhados e executados figurinos e a qualidade dos
músicos e da regente Beatriz de Luca, revestem a cena de estrutura sólida e
ambientação comunicativa. Nos quadros de music
hall ressaltam essas qualidades que se atenuam na sequência política e no encontro com Oona, a mãe dos
seis filhos de Chaplin. As canções de poucas nuances, contribuem para o
descompasso entre a monotonia musical e a exuberância biográfica. Mas a uniformidade
interpretativa do elenco supera qualquer obstáculo ao ritmo e a fluidez dos
trechos mais sentimentais e levanta a plateia na junção do velho Chaplin ao
saltitante Carlitos na última cena. Jarbas Homem de Mello protagoniza, não
apenas vestindo a figura do vagabundo do cinema mudo, mas como ator-cantor-mímico-acrobata
a quem se exige múltiplos recursos para alcançar atuação harmônica. Marcelo
Antony tem participação tão discreta quanto a função coadjuvante de Sidney
Chaplin. Paulo Goulart Filho explora o lado cômico de Mack Sennett, e as
atrizes Naíma (Hannah Chaplin) e Giulia Nadruz (Oona O’Neill) exibem a excelência de suas vozes. Paulo Capovilla
aproveita a oportunidade de aliar a ótima voz à vilania da intrigante Hedda
Hooper.