quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/8/2015)

Crítica“Santa”
A dança da solidão

O roteiro de “Santa” se confunde com percurso cênico de dança, palavra e som, celebrado num espaço neutro. Não aponta para qualquer dessas expressões como linha determinante, esfumaçando cada uma delas à procura de estimular a percepção do imaginário subjetivo. Diante de pausas entre movimentos, vozes e superfície pulsante de instalação plástica, se constrói narrativa que propõe “experiência sensoriais”. Ver a intencionalidade da música, e ao mesmo tempo dançar pela fragmentação do texto e ouvir o deslocamento dos corpos, indicam mistura de sentidos numa inversão da linearidade. Esse jogo de peças soltas se articula através de presença feminina que divaga sobre solidão e lembranças de vivências amorosas. A concepção e direção de Guilherme Leme Garcia deste puzzle sentimental, codirigido por Gunnar Borges, refletem as prováveis rupturas e conexões surgidas na sala de ensaios. A cenografia de Bia Junqueira, iluminação de Tomás Ribas e trilha sonora de Marcelo H. e Marcelo Vig, se complementam como harmoniosa equipe criativa, que se mostra bastante interveniente na integridade do refinado quadro cênico. O fracionamento do uso de cada linguagem a qual o diretor recorre para projetar etéreos sentimentos capturados em pedaços, impõe um formalismo difuso, que anestesia e esfria a montagem. O texto de Diogo Liberano fica solto ao tentar descrever um fluxo e traduzir uma propulsão, utilizando a memória dramática do monólogo teatral. As vozes se despregam daquilo que dizem para soar como burburinho seco, sem estrondo e ressonância. A instalação cenográfica, que inverte a área do Espaço Tom Jobim (o palco e plateia trocam de lugar), recobre de plástico branco a superfície da representação, em posições de quedas e volumes. Em sutis oscilações, o cenário se desloca em crescente tensionamento, insuflando à ambientação onírica atritos que os demais elementos camuflam. A coreografia, entre longos silêncios e intervenções musicais, procura o gesto que alcance o conflito interior e desenhe a solidão dos sentimentos. Como a dança parece ter peso um pouco maior sobre os demais meios, a possibilidade de diálogo com aquilo que deseja figurar se contrai nos sinais acanhados dos movimentos. Guilherme Leme Garcia, em solos que evocam lutas marciais, ilustra corporalmente relação de via única. Angela Vieira aponta nas pausas suaves e na dicção inquieta, alguns sinais da mulher solitária que habita a casa santificada pelas recordações.