domingo, 16 de agosto de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (15/8/2015)

Crítica/ “BR-trans”
Versão performática da violência dramática

Ao entrar na sala, o publico encontra uma figura masculina de rosto maquiado e vestido vermelho, que balança o corpo ao som monótono de uma única batida. Em seguida, o figurino se desfaz e fica-se a saber que a imagem era de Gisele, personagem do ator cearense Silvero Pereira, que utiliza o corpo para escrever cenicamente vivências de travestis e transexuais. Na pesquisa que reuniu depoimentos e notícias, Silvero reconstitui fatos que denunciam preconceito e violência, projetando através de imagens e música documentais a busca de outra significação do corpo e de maior voltagem às reações de repulsa aos símbolos da transformação da sexualidade. São histórias reais refletidas num painel de casos, tratados como exposição performática de forte conotação e referência visuais e sob o formato de manifesto contra atos cruéis e preconceituosos. ‘BR-trans” percorre esse arco dramático como um caminho previsível, capaz de provocar recusa diante da brutalidade, mas apenas reproduzir sinais externos das contradições  de uma realidade e de um imaginário. A projeção de cenas de assassinatos são contundentes, porque verdadeiras e inaceitáveis, provocando impacto e desempenhando a função de exibir para indignar. A seleção dos relatos surge com menor aproveitamento narrativo, e não convive com muita naturalidade com a personagem vivida pelo ator. A integração entre notificação e vivência é prejudicada pelo tratamento domesticado aos comentários inexpressivos aos shows de dublagens, ao repertório musical e à atmosfera melodramática dos sentimentos exacerbados. A montagem ganha ímpeto em algumas cenas, mas se retrai, na maioria delas, por emaranhar solidariedade com situações selecionadas pela ótica da imutabilidade. O texto reafirma o fotográfico, não avançando em quadros menos posados e que ampliem o alcance da visão para além de contornos mais ambiciosos. A carta da mãe ao filho adquire caráter emotivamente pessoal, enquanto canções como “Geni e o zepellin”, de Chico Buarque e “Três travestis”, de Caetano Veloso ou ainda a paródia de Maria Betânia, se tornam reiterativas para  materializar a complexidade de um universo. A direção de Jezebel De Carli deste solo de Silvero Pereira, também responsável pela dramaturgia e que é acompanhado ao teclado por Rodrigo Apolinário, atribui ao ator a multiplicidade de marcas, trocas de figurino e de adereços do palco. É um esforço, ainda que rigorosamente desenhado, que deixa sequelas na limpeza da interpretação. O cantor se projeta melhor do que o ator, que administra os tempos de mudança de maquiagem e controle da luz, do ajuste do microfone e das projeções. A intensidade com que Silvero se entrega a tantas e tão exigentes tarefas, não obscurece o seu sincero e empenhado protesto contra  atos desumanos.