Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (15/8/2015)
Crítica/ “BR-trans”
Ao entrar na sala, o publico encontra uma figura
masculina de rosto maquiado e vestido vermelho, que balança o corpo ao som
monótono de uma única batida. Em seguida, o figurino se desfaz e fica-se a
saber que a imagem era de Gisele, personagem do ator cearense Silvero Pereira,
que utiliza o corpo para escrever cenicamente vivências de travestis e
transexuais. Na pesquisa que reuniu depoimentos e notícias, Silvero reconstitui
fatos que denunciam preconceito e violência, projetando através de imagens e música
documentais a busca de outra significação do corpo e de maior voltagem às
reações de repulsa aos símbolos da transformação da sexualidade. São histórias
reais refletidas num painel de casos, tratados como exposição performática de
forte conotação e referência visuais e sob o formato de manifesto contra atos
cruéis e preconceituosos. ‘BR-trans” percorre esse arco dramático como um
caminho previsível, capaz de provocar recusa diante da brutalidade, mas apenas
reproduzir sinais externos das contradições
de uma realidade e de um imaginário. A projeção de cenas de assassinatos
são contundentes, porque verdadeiras e inaceitáveis, provocando impacto e desempenhando
a função de exibir para indignar. A seleção dos relatos surge com menor aproveitamento
narrativo, e não convive com muita naturalidade com a personagem vivida pelo
ator. A integração entre notificação e vivência é prejudicada pelo tratamento domesticado
aos comentários inexpressivos aos shows de dublagens, ao repertório musical e à
atmosfera melodramática dos sentimentos exacerbados. A montagem ganha ímpeto em
algumas cenas, mas se retrai, na maioria delas, por emaranhar solidariedade com
situações selecionadas pela ótica da imutabilidade. O texto reafirma o
fotográfico, não avançando em quadros menos posados e que ampliem o alcance da
visão para além de contornos mais ambiciosos. A carta da mãe ao filho adquire caráter
emotivamente pessoal, enquanto canções como “Geni e o zepellin”, de Chico
Buarque e “Três travestis”, de Caetano Veloso ou ainda a paródia de Maria
Betânia, se tornam reiterativas para materializar
a complexidade de um universo. A direção de Jezebel De Carli deste solo de Silvero Pereira, também
responsável pela dramaturgia e que é acompanhado ao teclado por Rodrigo
Apolinário, atribui ao ator a multiplicidade de marcas, trocas de figurino e de
adereços do palco. É um esforço, ainda que rigorosamente desenhado, que deixa
sequelas na limpeza da interpretação.
O cantor se projeta melhor do que o ator, que administra os tempos de mudança
de maquiagem e controle da luz, do ajuste do microfone e das projeções. A
intensidade com que Silvero se entrega a tantas e tão exigentes tarefas, não obscurece
o seu sincero e empenhado protesto contra
atos desumanos.