Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (23/8/2015)
Crítica/ “Querido
Brahms”
Correção bem comportada de amor e loucura |
O trio de músicos, a pianista Clara e os
compositores Robert Schumann e Johannes Brahms, se reencontra no momento em que
cada um vive as dúvidas de saber como agir e quais os verdadeiros laços que os
une. A mulher de Schumann busca conselhos de Brahms para decidir o futuro do
marido, que em processo crescente de perda da razão em consequência da sífilis,
acaba de tentar o suicídio nas águas do rio Reno, no inverno de 1854. O pedido
de ajuda de Clara para decidir se interna ou não Robert, envolve indisfarçável sedução da mãe de vários filhos,
condenada a ser dona de casa, na conquista de Johannes, num triângulo amoroso de
lados incompletos. O ambiente e os ciúmes entre compositores, em especial as
farpas de Schumann contra Wagner, expõem fragilidades de criadores
temperamentais na efervescência do romantismo musical alemão. O texto de José
Eduardo Vendramini condensa, em não mais do que 70 minutos, os conflitos
desencadeados por relações atormentadas, recriados como extensões ficcionais da
veracidade. Fatos reais ganham a precisão de diálogos refinados, decantados de
pesquisa sólida, transformada em cenas de milimétrica construção dramática.
Mesmo sem encontrar solução para o final, ao desequilibrar o quadro,
apresentando descritivamente o futuro dos personagens, não escapa a Vendramini a
intenção de uma escrita límpida. O depuramento excessivo é o maior problema da
narrativa, que evita sair do eixo da correção. Não há lugar para avanços e
ousadias, apenas o de perseguir a trilha do bom acabamento, o que pode ser
considerado, tanto mérito quanto estilo. O diretor Tadeu Aguiar transfere, com
a disciplina de um seguidor, as características tradicionais do autor em
montagem apoiada na palavra como ação interior, subterrânea à trama. Aguiar
expande nas duas cenas em que se divide “Querido Brahms”, praticamente dois
monólogos centrados em Clara e Schumann, o caráter intimista dos embates, nos
quais interfere com a mesma prudência pela exatidão. A cenografia e figurino
com atmosfera de época e a criteriosa introdução da música reforçam o aspecto
envolvente pretendido pelo diretor. A sensação de que tudo está no seu lugar se
reflete também no elenco. Os atores desempenham seus papéis com a disciplinada
da correção, sem pretensões de voos interpretativos. Estão, simplesmente,
corretos. O Brahms de Olavo Cavalheiro é apenas um ouvinte coadjuvante que
surpreende ao cantar o belo lied de
Schumann. Carolina Kasting empresta sua beleza e altivez à Carolina, contemplando
mais o caráter da platônica sedutora do que da mulher diante da loucura do
marido. Werner Schünemann leva um pouco mais adiante e com alguma transgressão
os tormentos do decadente Schumann.