Crítica
publicada no Segundo Caderno de O Globo (28/9/2014)
Crítica/ Crônicas
de Nuestra America
Mecanismos fantásticos da realidade sul-americana |
Com forte sotaque sul-americano, ilhadas em
geografia do exílio e ambientadas no realismo algo fantástico do literário continental,
as crônicas de Augusto Boal, escritas na década de 70, refletem a época e as
circunstâncias políticas então vigentes em parte dos países da região. São
quase casos, recolhidos pelo autor, para compor um painel de humor de farsa que
se aproxima do picaresco. Em situações que refletem variadas formas de opressão
(social, política, pessoal), traçam-se em linhas algo absurdas as desigualdades
e arbitrariedades da convivência em regimes autoritários do período. A crônica,
por seu caráter de registro de um certo cotidiano parece pouco maleável a propósitos
mais ambiciosos como os imaginados por Boal. Ainda que o humor suavize a
rigidez do tom crítico e amenize a forma como aponta para os descaminhos continentais,
prevalecem os mecanismos simplificados de exposição analítica. A adaptação
teatral de Theotonio de Paiva tenta criar narrativa cênica a partir do material
de crônica folhetinesca, elegendo um texto como eixo, introduzindo os demais
como derivações. Não é muito bem sucedido nesta colagem por tornar confuso o
desenvolvimento narrativo, com avanços e recuos emperrando a fluência e
limitando o seu alcance. O diretor Gustavo Guenzburger acentua os problemas da
adaptação ao imprimir excessivo nervosismo à montagem, procurando uma
intensidade de corrida que despreza o equilíbrio do ritmo e dispersa a atenção
pela quebra sucessiva da sequência de imagens. O cenário de Dani Vidal e Ney
Madeira, que também assinam em dupla o figurino, contribui pela necessidade de
ser armado e desmontado pelo elenco, como mais um elemento que, ao contrário de
impulsionar a ação, retém a sua fluidez. Os atores – Adriana Schneider, Carmen
Luz, Clara de Andrade, Henrique Manoel Pinho, Larissa Siqueira e Lucas
Oradovschi – alinhados como um conjunto de saltimbancos histriônicos se
multiplicam em intervenções sempre expansivas, mas pouco moduladas.