Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (1/10/2014)
Crítica/ Na
República da Felicidade
Como nos textos anteriores do inglês Martin Crimp,
vistos nas últimas temporadas e dirigidos pelo mesmo Felipe Vidal deste Na
República da Felicidade, busca-se
construir narrativa cênica, sem que haja propriamente trama, mas um fluxo de
situações que cria zona ficcional em que os meios (realismo, música, farsa,
humor) são elementos especulativos que exploram a memória dramática. Numa
reunião familiar em que se reconhecem conflitos domésticos e se estabelecem
ações interrompidas e sentimentos vagos é criado um ambiente com entrecho que
insinua desenvolvimento e personagens identificáveis. Esse enquadramento
inicial, provável referência à dramaturgia de Harold Pinter, é desfeito com a
sequência dos quadros “As cinco liberdades essenciais do indivíduo”, concluída
com a cena que leva o título da montagem. Aparentemente, não há linearidade entre
o início e a compulsão de vozes que se seguem, como se o encontro familiar do
princípio fosse uma provocação expositiva e a sequência, um jogo de desmonte que
deixa entrever movimentos de desarrumação e de trânsito entre formas teatrais
camufladas e a atordoada percepção do espectador. Difícil e envolvente, excessiva
e rigorosa, a dramaturgia de Martin Crimp se propõe à plateia com
desconcertantes contrastes e atraentes truques num diálogo especulativo de
tensões. O diretor Felipe Vidal, ainda que demonstre identidade com o texto,
faz uma incisão pouco exploratória no universo do autor. As várias camadas
tensionadas da narrativa recebem tratamento de rubricas, sem as contradições
formais de estilo (canções encerram e comentam as cenas) e quebra do método
indutivo do drama (o código do gênero é pouco revisado). Para além do mergulho
de superfície e profundidade em que oscila o tempo dramático, paira a costura
de um exercício de estilo, permeando cada uma das singularidades expressivas. A
primeira cena, introdutória e desafiante, tem caráter realista e como tal é
aceita como reprodução e espelho de ações passíveis de serem reconhecidas. As demais,
circulam por tantos e tão variados registros de representação, que o desafio
está em manipular suas características, deixando à mostra como foram processadas.
Vidal não promove essa diversificação de meios, uniformizando numa mesma escala
e compasso as disfunções estilísticas. O elenco corresponde à proposta de interpretar
a multiplicidade de registros, mas seja por orientação do diretor, seja por eventuais
incompreensões, nem sempre alcança unidade no conjunto. Se Branca Messina
revela autoridade como a mulher de 30, Luciana Fróes se destaca pela composição
corporal como a mãe. Clarisse Zarvos, Cris Larin e Tainá Nogueira procuram seu
lugar no jogo dos despistes. O elenco masculino - Felipe Vidal, Gabriel
Salabert, Sergio Medeiros e Luciano Moireira – enfrenta com menor resultado as
tentativas de atuações desconstruídas.