Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (22/10/2014)
Crítica/ Timon
de Atenas
O banquete dos comensais hipócritas |
Timon é um cidadão ateniense pródigo com seus
amigos, a quem presenteia e corteja e por quem é bajulado e assediado em
reverentes e hipócritas amabilidades. A frequência com que dissipa a fortuna em
festas e em trocas de fingidas cortesias não é menor do que a rapidez com que
se confronta com a perda do dinheiro e a ingratidão daqueles que o cercavam nos
tempos afortunados. Afastado da convivência social, vivendo na miserabilidade a
consciência amarga da condição humana, Timon é o senhor da escolhida solidão como
destino, em contraste com a leviandade das suas atitudes de antes. “Timon de
Atenas” não chega a ser uma narrativa dissonante na obra de Shakespeare, mas
não alcança a mesma dimensão poética e a projeção construtiva de seus textos
maiores. Nesta adaptação do National Theatre de Londres, ambientada nos dias
que correm, tem para a plateia brasileira efeito distante e de pouca identidade
com as atitudes generosas que até então não deixavam Timon perceber a
mesquinhez dos que estavam à sua volta. A atualização temporal se revela mais cenográfica do que efetivo diálogo entre
épocas. A concepção visual de Hélio Eichbauer define melhor o encontro da linha
dos tempos. A cena inicial da galeria de arte e as demais projeções, como a
panorâmica da Acrópole e em especial o depósito de lixo com seus grafites da
segunda parte, sustentam os ares contemporâneos que o diretor Bruce Gomlevsky
segue com precaução. A direção evita movimentos bruscos e mirar alvos muito
ambiciosos, prefere seguir na pacata trilha das palavras, mas sem ressaltar as
entrelinhas que as impulsionam. A montagem está confinada a uma área expressiva
bem comportada, precavida nos poucos avanços a que se permite, confinada a
ritmo narrativo exteriorizado. A encorpada música original de Marcelo Alonso
Neves, o bom figurino de Rita Murtinho para Timon, e a eficiente iluminação de
Elisa Tandela são elementos destacados, ainda que acessórios na composição um
tanto restrita em ousadia da concepção geral. O elenco de 27 atores, divididos
entre personagens e coro, sofre com o protagonismo de Timon, figura absoluta e
condutora da narrativa, diante da qual os demais são vozes de circunstância.
Como o filósofo Apemantus na função de
contracena um tanto maior, Tonico Pereira revive o seu temperamento expansivo
de intérprete. Alice Borges procura corresponder com atuação contida nas
intervenções da criada. Vera Holtz não compõe uma figura masculina para Timon,
desenha o homem banido pela ingratidão de seus antigos comensais e pelos
manifestantes guerreiros na extensão de uma vítima dos próprios caprichos. Mesmo
que a princípio a atriz se mostre menos solta na inconsequência festiva
com os falsos convivas, nas cenas
seguintes, Vera Holtz atinge momentos de força interpretativa e sintonia com a
tardia perda de inocência de um amargurado Timon.