quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (29/10/2014)

CríticaNômades

O luto como aval à vida
Aparentemente, o roteiro de Marcio Abreu, Patrick Pessoa e Newton Moreno, com a colaboração das atrizes em cena, trata de desdobramentos emocionais de três amigas diante da morte de uma quarta. As repercussões do desaparecimento de alguém de comportamento libertário, que viveu intensamente, explorando seus limites e que morre sem aviso, provocam em mulheres de geração semelhante a verificação do lugar de sobrevivente num instante de desequilíbrio. A rigor, “Nômades” é uma sequência de quadros em que o luto é submetido a prova comparativa de vidas, que se deslocam dos sentimentos arrebatados de perda ao exibicionismo dublado da dor e da imagem pública de atrizes e suas dúvidas sobre do que trata, efetivamente, o que estão interpretando. Assim como os muitos autores do conjunto colaborativo dessa coletânea de sugestões, a narrativa é múltipla na dispersão dos meios expressivos e desequilibrada na estrutura, oscilando entre o ensaio tímido e a exibição ruidosa de possibilidades cênicas. À montagem falta um eixo em torno do qual circulem, com melhor alinhavo, as intervenções musicais, a caracterização do humor, as insinuações de autoajuda e a sensibilização da plateia. Expansiva para quebrar sentimentalismos, doméstica para comentar o cotidiano, barulhenta para silenciar a emoção, a montagem de Marcio Abreu busca dinamizar as cenas para compensar os descompassos do roteiro. O diretor impõe agilidade à sucessão de quadros quase autônomos, interligados por estilos baldios, perseguindo fluxo narrativo que não encontra o seu ritmo interno. A desconstrução do cenário geométrico de Fernando Marés e Marcio Abreu é a evidência dessa procura de imprimir nervosismo que se confunde com a exterioridade do efeito. O padrão da equipe técnica se consolida na rigorosa iluminação de Nadja Naira, nos bons figurinos de Cao Albuquerque e Natália Naira, na direção musical de Felipe Storino e de movimento de Marcia Rubin. Mas a confluência de tantas e tão amplas vertentes da cultura pop (o repertório musical a denuncia), das imobilidades urbanas (a urgência atual do tempo) e de escaninhos emocionais (os rebatimentos da morte) encontra no trio de atrizes a sua melhor tradução. Não há qualquer sinal de exibicionismo ou demonstração de técnica, mas apenas bem humorada e, em muitos momentos sensível, reunião de intérpretes em sintonia de temperamentos de alta voltagem. Mariana Lima sustenta uma certa ironia na intensidade com que acompanha os movimentos, alguns com passos de balé, e as reações da personagem à morte da amiga. Malu Galli percorre extensa área de contrastes que evolui de divertida imitação a sutil sensibilidade. Andréa Beltrão é uma força teatral que leva a sua potência a zonas impensáveis.